O discurso dos factos

Urge repor algum bom senso e voltar atrás, sob pena de estarmos a validar uma eleição na Ordem dos Advogados que parece não querer respeitar a vontade constitucional.

Na apresentação da sua recandidatura a bastonário da Ordem dos Advogados, o Dr. Guilherme Figueiredo afirmou não ir responder à crítica generalizada que atravessou o seu mandato, apenas prometendo o discurso dos factos.

Depois de três anos perdidos pelo bastonário em conflitos com os membros do seu próprio Conselho Geral que conduziram à saída da terça parte dos eleitos, de questiúnculas com os Conselhos Regionais não alinhados consigo e que levou a uma candidatura de alguns dos seus atuais presidentes numa lista opositora, ao isolacionismo entre as diferentes profissões liberais e perante o poder político que ignora a existência da Ordem dos Advogados ao preteri-la, de forma constante, nas alterações legislativas que vão surgindo em notório prejuízo da classe.

Assim, a Ordem dos Advogados chega a 2020 pouco ou nada preparada para enfrentar os desafios que se colocam perante a advocacia.

Seja nas exigências de um mercado de cidadãos cada vez mais informados e autossuficientes na defesa dos seus interesses pessoais e negociais, no desrespeito imposto pelos demais agentes judiciários, que se traduz, por exemplo, na ignomínia imposta de senhas de acesso aos Tribunais perante a passividade de quem representa os advogados nos Conselhos Consultivos das Comarcas, na desvalorização remunerativa no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), na perda de atos próprios, na ausência de relevo de ação e de assumir posições frontais na defesa dos direitos, liberdades e garantias no plano internacional (ex: caso Intercep Brasil ou a lei de extradição de Hong Kong).

O caos presente não impede o Dr. Guilherme Figueiredo de pedir mais três anos aos comandos da Ordem dos Advogados. E qual a melhor forma para lograr alcançar os seus intentos? Como medida mais visível e imediata, a alteração do processo eleitoral introduzindo o voto eletrónico...

Na Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 10.º, o sufrágio é caraterizado como universal, igual, direto, secreto e periódico.

Nas recentes eleições europeias, aplicou-se em modo de teste, em algumas mesas eleitorais, o voto eletrónico, em complemento de experiências anteriores ocorridas durante mais de uma década, visando o desenvolvimento gradual de um sistema mais eficaz, procurando assegurar-se uma gestão segura e credível de todo o processo.

Para se atingir tais objetivos espaçados no tempo, conta-se com a colaboração independente de universidades nacionais, seja na vertente da idealização seja na auditoria dos resultados.

Em suma, estamos perante uma intenção de anos, cuja aplicação ainda se encontra em fase de testes.

Como pretende fazer o Dr. Guilherme Figueiredo? Implementar a mudança pura e simples, aparentemente, sem qualquer tipo de segurança efetiva ou garantia de viabilidade imparcial.

Como respeitar a integridade eleitoral? O segredo do voto? A auditoria do sistema? A recontagem dos votos? A segurança perante ataques de hackers? Continua por explicar a falha informática da Ordem dos Advogados que transmitiu recentemente à Autoridade Tributária informação falsa sobre supostos rendimentos de milhões de euros da quase totalidade dos advogados ou as tentativas de phishing de obtenção de credenciais de acesso à área reservada digital dos advogados...

Urge repor algum bom senso e voltar atrás, sob pena de estarmos a validar uma eleição que parece não querer respeitar a vontade constitucional.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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