Wall Street continua a não aceitar culpa pela crise financeira

“Eles continuam sem perceber.” Foi esta a minha reacção quando ouvi o ex-director executivo do Lehman Brothers, Dick Fuld, tinha para dizer naquela que foi a sua primeira aparição pública voluntária desde que a empresa entrou em colapso há sete anos. E foi isso o que me incomodou quando vi que uma grande assistência estava a aplaudi-lo em vez de se rir dele, que é o que eu teria feito.

Fuld arrancou esses aplausos de mais de mil pessoas que de pé enchiam uma sala na apresentação da Conferência Marcum Micro Cap, na qual ele culpou as políticas de habitação do Governo federal, a Reserva Federal e tomadores de empréstimos irresponsáveis pelo colapso do Lehman em 2008. Ele atribuiu alguma responsabilidade a si próprio? Ou a Wall Street? Não, de acordo com todos os relatos que pude ler. (Tive que basear-me nas descrições de outros porque não estive presente no discurso, e o patrocinador do evento comunicou-me que não existe nenhuma transcrição escrita ou vídeo disponível.)

Para aqueles de nós que se recordam do que aconteceu, a recusa de Fuld em assumir qualquer culpa pelo falhanço do Lehman é inteiramente absurda. O Lehman estava tão espalhado que uma redução de menos de quatro por cento no valor dos seus activos foi suficiente para fazer desparecer o seu capital. Entre outras coisas, recheou o seu portefólio com montes de garantias de hipotecas tóxicas durante a bolha imobiliária e efectuou algumas grandes e péssimas aquisições de propriedades. Assim, quando o mercado imobiliário entrou em crise e os emprestadores a curto prazo perceberam, já tardiamente, que o Lehman não era exactamente um credor de grande confiança, a empresa já não tinha capacidade para se manter em jogo.  

Uma das funções do presidente executivo (CEO) é impedir que a sua empresa se meta nesta espécie de sarilhos – e Fuld não cumpriu a sua obrigação. Pior ainda: numerosos relatos dos últimos dias do Lehman avançam que Fuld foi pressionado a vender o Lehman, mas que se manteve irredutível, desafiante, e não percebeu o perigo em que o Lehman se encontrava, até já ser demasiado tarde. O Lehman declarou falência a 15 de Setembro de 2008.  

Pouco depois, iniciou-se uma corrida aos fundos de investimentos de alta qualidade e curto prazo [“money-market funds”], quando o Reserve Primary Fund declarou que já não poderia mais redimir acções no seu valor total devido a perdas nas suas participações no Lehman. Assim sendo, o Governo federal viu-se obrigado a garantir triliões de depósitos para evitar uma desastrosa corrida aos levantamentos.

O Goldman Sachs e o Morgan Stanley, que, ao contrário do Lehman, tinham sido dirigidos de forma prudente, estavam quase a entrar em incumprimento, porque os fundos de investimento e outros clientes de serviços privilegiados [“prime brokerage”] começaram a sacar o seu dinheiro e as suas acções, em resposta ao facto de os activos de “prime brokerage” na sucursal londrina do Lehman terem sido congelados. Isso forçou o Tio Sam a permitir que o Goldman e o Morgan Stanley se tornassem em “bank holding companies” fortemente reguladas [companhias que controlam um ou mais bancos mas que elas próprias não estão necessariamente envolvidas em empréstimos bancários], de forma a que a Reserva Federal pudesse inundá-los com empréstimos.

Não sei o que Fuld estaria a pensar quando aceitou falar publicamente na conferência da Marcum, cujo patrocinador, a Marcum LLP, é uma firma de âmbito nacional de contabilidade e consultoria com sede na cidade de Nova Iorque. (A Marcum, um empresa anteriormente pouco conhecida, recebeu montes de atenção, e foi a grande vencedora nesta situação.)

Tentei falar com Fuld, mas ele continuou firme na sua política, que já dura há décadas, de não aceitar nem responder às minhas chamadas.

Talvez ele tenha sentido que estava na altura de reescrever a história. Ou talvez estivesse a tentar atrair negócios para a empresa que fundou em 2009, e cujo mercado-alvo engloba o tipo de companhias que estão presentes nas conferências sobre “micro cap”.

Vistos os danos que o Lehman infligiu ao sistema financeiro e a regulação extra que a queda do Lehman acabou por impor a Wall Street, seria esperar que uma assistência virada para as finanças iria atirar a Fuld uma chuva de tomates podres, e não aplaudi-lo. Mas estaríamos enganados.

Desconfio que a razão pela qual ele foi ovacionado é que muita gente em Wall Street, tendo esquecido a história ou decidido ignorá-la, se sentia ofendida. Isso até seria justificável em certa medida – mas numa medida muito, muito pequena. O governo continua a tratar as grandes empresas financeiras como máquinas de Multibanco, sacando-lhes biliões de dólares para permitir acordos em casos de acusações de má conduta. Mas se as empresas não tivessem feito coisas que correram mal, então não teriam ficado vulneráveis.

É certo que pessoas irresponsáveis no momento de pedirem empréstimos têm também alguma da responsabilidade no cataclismo imobiliário, e a reserva Federal e o Departamento do Tesouro estão longe de se terem portado na perfeição. Mas se pessoas como Dick Fuld não tivessem sido incompetentes, gananciosas e com vistas curtas – um dos meus dados favoritos sobre Fuld é ele ter lucrado 470 milhões de dólares (antes de impostos) entre 1996 e 2007, exercendo opções de “stock options” [acções da própria empresa para os seus executivos] do Lehman e vendendo acções do Lehman -, teríamos tido muito menos intrusão governamental no sistema financeiro do que a que temos agora.        

Lembrem-se disto na próxima vez que ouvirem Dick Fuld ou outros da sua laia a queixarem-se. Eles não são vítimas, meus amigos, são os culpados.

Allan Sloan, colunista do The Washington Post, ganhou por sete vezes o Loeb Award, o mais prestigiado galardão para o jornalismo de Economia e Finanças. PÚBLICO/The Washington Post

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