Nitrofuranos custaram 200 milhões de euros

Produtores, centros de abate, indústria alimentar, distribuição e restauração ainda estão a pagar a factura da crise, avaliada entre 150 e os 250 milhões de euros, e pedem ajuda ao ministério da Agricultura.

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A produção de frangos no passado mês de Abril foi 29,7 por cento inferior ao mês homólogo de 2002 Paulo Cunha/Lusa

O sector avícola nacional ainda está a viver na ressaca da crise dos nitrofuranos. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a produção de frango no passado mês de Abril foi 29,7 por cento inferior ao mês homólogo de 2002.

Uma situação que decorre da "prudência" de muitos avicultores, que ajustaram as suas produções à retracção do consumo - no auge do escândalo, a venda de frangos caiu cerca de 80 por cento -, mas também da descapitalização que as explorações sofreram e que não permite, por enquanto, promover investimento. Ainda que os números não estejam totalmente fechados, segundo a Associação Nacional dos Centros de Abate de Aves (Ancave), a crise dos nitrofuranos terá custado ao sector entre 150 a 250 milhões de euros.

No mesmo mês de Abril, o INE registou um aumento de abates das espécies caprina (198,4 por cento), ovina (98,3 por cento) - que pode ser explicado pelo facto de este ano a Páscoa ter sido celebrada mais tarde - e também de suínos (10,1 por cento), o que parece indicar que os consumidores não terão ainda retomado os consumos de frango e perú que se verificavam antes da crise de segurança alimentar.

"A quebra já não é tão grave como foi, mas ainda assim nota-se uma diminuição significativa na venda de frango", refere o presidente da Associação dos Retalhistas de Carnes do Distrito do Porto, Francisco de Vasconcelos.

Nas explorações avícolas, o estigma da crise dos nitrofuranos ainda se sente, apesar de lentamente as coisas começarem a regressar à normalidade. Um avicultor contactado pelo PÚBLICO notava mesmo que o pessoal que emprega tinha acabado de voltar de Fátima, onde tinha ido em pagamento de promessa por ter escapado incólume ao verdadeiro furacão que foi o caso dos nitrofuranos.

"Foi um sério abalo para o sector. As pessoas às vezes esquecem-se que não foram só os produtores que saíram muito prejudicados com tudo o que aconteceu. Foram também os centros de abate, a indústria alimentar, a distribuição e a restauração. Foi uma situação muito dolorosa, com consequências muito más, que agora começa a melhorar mas que as pessoas não deixam de sentir", explica.

Enquanto os processos judiciais relativos aos responsáveis das explorações onde foram detectados vestígios da utilização de nitrofuranos correm os seus trâmites normais, os produtores que nada tiveram a ver com a crise reclamam medidas extraordinárias para devolver confiança ao negócio.

"O ministério da Agricultura fez um bom trabalho do ponto de vista de garantir toda a segurança e confiança ao consumidor. Agora tem de fazer o mesmo aos cerca de 4000 produtores que não usaram nitrofuranos e foram penalizados por quem não cumpriu a legislação", reivindicam.

Importações aumentam

Além do reforço do sistema de fiscalização, os avicultores querem ser indemnizados pelo número de aves que foram obrigados a destruir e querem apoios financeiros para as suas explorações. Notando que, antes da crise, a produção nacional era suficiente para cobrir o auto-consumo, os dirigentes do sector temem os efeitos da quebra da produção.



"Cada vez há mais importações, e é toda uma cadeia de valor que se perde na economia nacional", refere a associação. Contactado pelo PÚBLICO, o ministério da Agricultura esclareceu que "a situação ainda está a ser avaliada".


Pelo lado do retalho, também existem algumas queixas, mas estas têm sobretudo a ver com o comportamento "exótico" dos consumidores nacionais, que face às sucessivas crises de segurança que têm afectado o consumo de carnes, começaram a desconfiar dos produtos certificados à venda nos talhos.

"Nós fazemos este apelo de forma veemente: só o que está inspeccionado e tem rótulo de garantia é que pode ser consumido com toda a segurança", frisa Francisco de Vasconcelos. Com a crise das vacas loucas e agora com os nitrofuranos nos frangos, os talhos começam a sofrer com a concorrência desleal dos abates clandestinos.

"Nesse aspecto há grandes falhas na fiscalização. Não se percebe como se perde o rasto a tantas centenas de animais que são abatidos no lavrador e que as pessoas procuram sem ter nenhuma garantia de higiene ou segurança alimentar", acrescenta.

Um outro problema que a crise dos frangos veio acentuar foi a tendência para a procura da chamada "carne barata" nos talhos. "A qualidade da carne está a diminuir por força da baixa do poder de compra dos clientes", que dizem que exigem qualidade mas fazem fila à porta dos talhos "barateiros".

No rescaldo da crise dos nitrofuranos, o preço do frango desceu - "até porque os produtores tinham de se desfazer dos animais e venderam ao desbarato" -, mas agora já quase duplicou o valor anterior. "O frango passou a ter um preço muito mais elevado, e isso resulta dos problemas das explorações, não são os talhos que estão a ditar os preços", garante Francisco de Vasconcelos.

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