Governo quer estimular acesso das PME aos mercados de capitais

Plano inclui a criação de empresas de fomento económico, que serão donas de capital das empresas, bem como a possibilidade de estas agruparem dívida para vender a investidores.

Foto
Plano apresentado pelo ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, tem por base o trabalho da estrutura de missão presidida por José António Barros, ex-dirigente da AEP Rui Gaudêncio

Numa série de medidas para tentar reduzir a dependência das empresas do crédito bancário, o Governo planeia criar empresas de fomento económico, que serão donas de capital de pequenas e médias empresas que não estão cotadas em bolsa e que poderão receber financiamento por parte de fundos de investimento, bem como de fundos de pensões. A par disto, quer também que várias PME possam agrupar dívida e vendê-la a investidores.

Estes mecanismos fazem parte de um rol de 15 medidas que o Governo apresentou nesta quinta-feira, ao abrigo de um plano mais alargado chamado Programa Capitalizar, com o qual pretende mitigar os problemas da falta de acesso a crédito e do sobreendividamento, uma situação que se tem vindo a acentuar significativamente desde 2011, o ano do resgate financeiro internacional.

A estratégia governamental passa por diversificar as fontes de financiamento, nomeadamente canalizando fundos europeus para as empresas através de linhas de financiamento, facilitando o acesso aos mercados de capitais e implementando um regime fiscal mais favorável do que o actual para quem invista capitais próprios, tornando-o igual ao regime aplicado a quem pede dinheiro à banca.

PÚBLICO -
Aumentar

Várias das ideias – como é o caso de um acerto automático de contas com o Estado e das linhas de financiamento para capital de risco e business angels – já tinham sido anunciadas pelo executivo e algumas estão em curso.

“A situação de excessivo endividamento é hoje um dos maiores entraves [ao crescimento]” afirmou, em conferência de imprensa, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, sublinhando ainda que o nível de investimento “baixou muito com a crise” e que a retoma está “abaixo do desejável”. O ministro notou ainda que as empresas “que crescem pela exportação ou pela inovação” devem ter uma estrutura forte de capitais próprios.

Para a criação daquelas empresas de fomento económico, que serão cotadas, o Governo pretende implementar “um regime de tributação favorável, podendo o seu financiamento inicial ser parcialmente assegurado pelos instrumentos financeiros do Portugal 2020 e pelos fundos de reestruturação da banca”, explica uma apresentação do Ministério da Economia. Estas empresas poderão ter participações tanto em PME como nas chamadas mid cap. Trata-se de uma designação que abarca companhias até aos três mil trabalhadores e que surge para englobar nestas medidas de capitalização algumas das empresas que já não consideradas PME (que têm menos de 250 trabalhadores), mas que, nas palavras de Caldeira Cabral, ainda “não são muito grandes em termos de facturação” e têm “dificuldades de afirmação no mercado global”.

PÚBLICO -
Aumentar

O plano prevê também que as PME e mid caps possam agrupar dívida, sendo cada uma delas responsável apenas pelo pagamento da sua parte, mas não tendo responsabilidade na quota das restantes. Na prática, isto significa que podem negociar com investidores um empréstimo conjunto, mas, no caso de uma das empresas entrar em incumprimento, o investidor perde apenas a parcela correspondente à firma incumpridora. O objectivo é atrair investidores através redução do risco tipicamente associado ao investimento isolado numa empresa desta dimensão.

No capítulo fiscal, e tal como já tinha sido incluído no programa Simplex, será criada uma “conta corrente” entre empresas e entidades públicas, que funcionará como um sistema de acerto de contas, ao permitir às firmas que tenham dinheiro a receber do Estado usar esse crédito para pagar dívidas (como é o caso de impostos) ao próprio Estado. Questionado pelos jornalistas, Caldeira Cabral afirmou que pretende implementar este sistema “o mais depressa possível”, mas reconheceu que é uma solução com “alguma complexidade” e não quis adiantar uma data concreta.

O Governo prevê também igualar os benefícios fiscais para as empresas que reforcem o capital próprio e para aquelas que contraem empréstimos junto da banca, e que já podem actualmente deduzir os juros.

O Programa Capitalizar contempla ainda medidas que visam as empresas em recuperação. Entre elas, estão a criação de um balcão único da segurança social e da autoridade tributária para empresas em dificuldades económicas ou em insolvência, bem como a criação de um regime jurídico que permita a reestruturação extrajudicial das empresas, através de acordos com os credores que sejam feitos fora dos tribunais.

Nem todos os esforços, porém, vão no sentido de afastar as empresas do crédito bancário. O documento inclui “a aceleração da implementação de uma nova linha de financiamento com garantia mútua”. É um instrumento que já tinha sido apresentado pela Instituição Financeira de Desenvolvimento (conhecido como banco de fomento) e que usa dinheiro europeu como garantia para diminuir o risco dos créditos bancários às empresas.

O documento agora avançado pelo Ministério da Economia é uma selecção das 131 medidas propostas pela Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas, um grupo de trabalho criado pelo Governo e que é presidido pelo ex-presidente da Associação Empresarial de Portugal, José António Barros. As 15 medidas são consideradas as mais consensuais e fáceis de executar, mas ainda não é certo que sejam todas implementadas, com o ministério a deixar a porta aberta a fusões ou modificações dos pontos apresentados. O Governo não se comprometeu com datas.

A estrutura de missão vai agora começar a trabalhar com vários ministérios para concretizar as medidas, algumas das quais poderão vir a ser incluídas no próximo Orçamento do Estado, como é o caso da equiparação ao nível fiscal do reforço de capitais próprios face aos empréstimos. As que não forem incluídas no próximo OE poderão constar dos orçamentos seguintes, havendo ainda a possibilidade de algumas serem implementadas através de outros processos legislativos. com Luís Villalobos

 

As 15 medidas para acelerar a capitalização das empresas

Estruturadas em cinco eixos estratégicos, o Governo destaca 15 entre as 131 medidas que a Estrutura de Missão para a Capitalização de Empresas lhe apresentou , por entender que são as de mais fácil implementação e as que têm um maior impacto no tecido empresarial.

Eixo I – Simplificação administrativa e enquadramento sistémico

1 –  Até agora a burocracia não permitia que os suprimentos (empréstimos que os accionistas fazem à empresa) pudessem facilmente ser contabilizados como capitais próprios das empresas. O Governo propõe-se a simplificar os procedimentos legais e regulatórios que são necessários aos aumentos de capital, prevendo designadamente a incorporação de suprimentos ou prestações acessórias.

2 – Disseminar a utilização do mecanismo de early warning a todas as empresas. Trata-se de um mecanismo de autodiagnóstico já criado pelo IAPMEI e que permite às empresas fazer uma análise da sua situação económica e financeira. É, aliás, um mecanismo de utilização obrigatória a todas as empresas que queiram submeter-se ao SIREVE, o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial. O early warning tem actualmente apenas 220 utilizadores;

3 – Fazer uma definição nacional do conceito de Mid Cap, empresas que já não entram no conceito de PME (e que por isso tem estado afastadas dos concursos para apoios comunitários), mas cuja dimensão ainda é insuficiente para ser considerada uma grande empresa a competir mercado global. Na definição proposta, “uma Small Mid Cap  é uma empresa que tem entre 250 a 500 trabalhadores e um volume de negócios até 500 milhões de euros. A Mid Cap é a empresa que tenha um numero de trabalhadores entre os 500 os 3000”.

Eixo II -  Fiscalidade

4 – Criar uma conta corrente entre as empresas e o Estado para acerto de contas, uma medida já inscrita no Simplex. Vai garantir que uma empresa que tenha um crédito perante o Estado ou outras entidades públicas (por exemplo, uma devolução de IVA) possa usá-lo para compensar prestações que detém com essas mesmas entidades.

5 –  Criar incentivos à conversão de suprimentos em capital ou quase capital “designadamente através do alargamento do âmbito de aplicação do regime de remuneração convencional do capital social”. Segundo o Ministério da Economia, esta medida permitirá às empresas deduzir, para efeitos fiscais, o custo implícito do financiamento através de entradas de capital equiparando esta forma de financiamento ao endividamento.

6 – Rever a articulação entre o regime de dedutibilidade dos encargos de financiamento e as medidas de incentivo ao financiamento através de capitais próprios, com vista a promover a neutralidade fiscal atribuída a ambas as modalidades de financiamento. Actualmente não existe essa neutralidade, e em termos fiscais os capitais próprios são discriminados negativamente face aos capitais alheios (provenientes de financiamento). Esta medida estava prevista no Plano Nacional de Reformas  e deverá estar contida no Orçamento do Estado para 2017.  

Eixo III – Reestruturação empresarial

7 – Dinamizar uma plataforma nacional de activos empresariais em processo de insolvência, que seja de utilização obrigatória. A ideia é criar uma espécie de departamento, dentro do estado que, à semelhança das áreas de recuperação de créditos que existe na banca, possa empenhar-se em promover a recuperação dos activos empresariais. Segundo o Governo, essa plataforma “assegurará prioritariamente a alienação integral das unidades empresariais, por forma a promover a sua reutilização em tempo útil e a evitar a degradação do respectivo valor”.

8 -  Criar um balcão único da Segurança Social e da Autoridade Tributária “para gestão articulada dos créditos públicos sobre empresas em situação económica difícil ou em situação de insolvência ou insolvência iminente”. Esta medida também já tinha sido anunciada no Plano Nacional de Reformas.

9 – Lançar um regime jurídico de reestruturação extrajudicial de passivos empresariais que resulte como uma versão melhorada dos actuais Processo Especial de Revitalização (PER) e do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), e que, para tal, deverão ser avaliados.

Eixo IV  - Alavancagem do financiamento e investimento 

10 – O Governo propõe-se a criar e lançar emissões de “certificados de curto prazo (papel comercial) e de instrumentos de agregação de valores mobiliários para PME e Mid Caps” bem como em avançar com a “regulamentação da possibilidade de fundos de investimento, designadamente fundos de pensões, investirem nos referidos instrumentos”. A possibilidade de as PME emitirem papel comercial já foi prevista no âmbito de alteração legislativa recente. Nova é a possibilidade de fundos de investimento, incluindo de pensões, poderem subscrever esse produto.

11 – No seguimento da medida anterior, propõe-se a criar “um fundo de investimento especializado que invista em instrumentos de agregação de valores mobiliários de diferentes PME e Mid Caps”. Esse fundo especializado será cotado em bolsa, “com possibilidade de um investimento do Estado na fase inicial do projecto, podendo contar, igualmente, com uma garantia pública, a atribuir através do Sistema Nacional de Garantia Mútua”.

12 - Constituição de novos instrumentos / veículos que diversifiquem as alternativas de financiamento. Alguns já foram anunciados, como a linha de financiamento com garantia mútua ou os fundos de capital reversível, os novos Fundos de Capital de Risco (FCR) e Business Angels. Falta agora acelerá-los ou operacionaliza-los.

Eixo V  - Dinamização do mercado de capitais 

13  - Lançar um programa de capacitação de empresas, que fomente a interacção com novas comunidades de stakeholders. Esta medida é assumidamente inspirada em experiências internacionais, como o “IPO Ready” na Irlanda, e permitem “acesso estruturado a financiamento (mercado de capitais, capital de risco e business angels) em estado avançado de concepção”.

14 – Dar Incentivos à participação de PME e MidCaps no mercado de capitais, através da redução dos custos directos e indirectos, nomeadamente, refere o Ministério da Economia, custos “regulatórios, de acesso, de manutenção e de transacção em bolsa”.  

15 - Criação de Empresas de Fomento Economico (EFE), enquanto veículos cotados detentores de participações em empresas portuguesas não cotadas (PME e Mid Caps). Estas EFE poderão “ser objecto de investimento por parte de fundos de investimento e fundos de pensões”, e vão “merecer um regime de tributação favorável, podendo o financiamento inicial ser parcialmente assegurado pelos instrumentos financeiros do Portugal 2020”. Segundo o Governo, “Os fundos de restruturação da banca poderão, eles próprios, funcionar como EFE”.

Sugerir correcção
Comentar