Um é melhor que dois

Será que se terá saudades dos tempos em que um ouvido era bom e outro era mau, quando ambos forem maus? Duvido.

Quando se é velho doem-nos os joelhos, as pernas e os dedos das mãos. É tudo no plural. Mas há um momento do declínio em que se tem um ouvido bom e outro mau. Tem-se um joelho que dói e outro que não. Há uma mão melhor do que outra. Há uma anca que se poupa, porque faz doer, pendurando-se na outra que não tardará a seguir o mesmo caminho (para mais com o trabalho acrescido) mas, por enquanto, não se queixa.

Deus dá-nos logo à nascença um aperitivo dos petiscos que nos esperam: um pé é sempre mais comprido do que outro e, no caso de não se ter uma visão perfeito, há sempre um olho que está um bocadinho pior do que o outro.

Mesmo as crianças têm lados que ficam melhor nas fotografias do que os outros, a não ser que isto seja uma coisa imaginária que não tenha qualquer relação com a realidade.

Ter um pé bom e outro mau é uma fase intermédia, valha-nos ao menos isso. Melhor e mais jovem ainda é ter um pé que às vezes se porta mal e outro que nunca dá problemas. Pior e mais velho é ter um pé menos mau do que o outro.

Será que se terá saudades dos tempos em que um ouvido era bom e outro era mau, quando ambos forem maus? Duvido. As saudades têm-se da falta de comparações. À pergunta “ouves bem?” a resposta mais feliz é ficar surpreendido e responder, como se fosse norma universal, “sim...” em vez de “sim, embora o direito não seja tão distinto como o esquerdo”.

As saudades têm-se é de ter ombros, cotovelos e tornozelos, sem ter de escolher entre eles.

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