Porco do caraças, que tiras o pecado do mundo

Este Domingo de Páscoa, somos todos Cristo. Mas eu sou um bocadinho mais. Há 22 anos fui injustamente condenado, não por dizer que era Rei dos Judeus, mas por a minha mãe me ter descoberto a consultar revistas de maminhas.

Fui conduzido ao Calvário da privação de televisão durante um mês. E assim retirei o pecado do mundo. Nomeadamente, o pecado da luxúria juvenil. Em vez de ser como cordeiro de Deus, foi como “porco do caraças”. A minha mãe era mais enfática que João Baptista. O meu pai imortalizou em mármore o momento em que jazo de bruços, inerte, ao colo da minha mãe, que me açoita. É a Palmatá. A diferença é o tempo de espera até que me fosse feita justiça. Jesus demorou três dias a passar de pregador rebelde a Deus. Sortudo. Eu demorei mais de duas décadas a passar de pornógrafo a feminista, pois só agora descobri o movimento #FreeTheNipple, ressuscitado por uma islandesa de 17 anos, que pôs uma foto das suas maminhas online e maçou-se por não ter sido ovacionada por toda a Internet.

Pude mostrar à minha mãe que, afinal, não era um jovem badalhoco, mas sim um activista dos direitos das mulheres. Durante a adolescência, sem saber, pugnei pela libertação feminina da opressão patriarcal. E pela libertação masculina da opressão de ver pornografia às escondidas, como se fosse uma ordinarice e não a militância cívica que, afinal, é. Hoje, esta geração de jovens pode ver mulheres nuas na Internet sem receio. Se tem um # antes, não é pornografia, é campanha cívica.

Ainda antes de adquirir as bases teóricas que sustentam a minha convicção, desejava intuitivamente a alforria de todos os mamilos. Era um sonho que eu tinha. Aliás, eram vários sonhos. E recorrentes. Eu estava quase, quase, a libertar um mamilo, mas acordava antes de o conseguir. Os mamilos variavam todas as noites (o que prova o meu compromisso desinteressado com a liberdade em abstracto), mas a angústia por não os conseguir soltar era a mesma. Despertava a arfar. Era já a consciência cívica a querer falar. O pijama encharcado em suor testemunhava o meu empenho, não só intelectual, mas também físico, pela causa. Tivesse sabido explicar o meu engajamento e não precisaria lavar tantas vezes os lençóis às escondidas.

Apoio a jovem islandesa na demanda pela emancipação do mamilo da conotação sexual a que foi culturalmente associado. Uma associação a que o próprio mamilo almeja furtar-se. Sempre que suspeita de que vai haver sexo, o mamilo empertiga-se, como se quisesse fugir do corpo a que está acoplado. Não conseguindo, fica vermelho de fúria. Até a auréola se solidariza e se acirra. A biologia também combate a construção cultural.

O sexo parasita qualquer tema. Por exemplo, as próprias relações sexuais estão conotadas com o sexo. Não faz sentido. Porquê associar o sexo a sexo? Tão condicionados a ligar tudo a sexo, somos incapazes de observar sexo sem pensar logo em sexo.

O misógino ainda não consegue encarar directamente um seio nu sem pensar em sexo. É preciso treino para o fazer. Felizmente, há mulheres que, gentilmente, se disponibilizam a mostrar os seus, para que ele se habitue a encará-los com a assexualidade devida. Tão solícitas, nem é preciso pedir-lhes para vê-los. Basta dizer que não está interessado e é imediatamente confrontado com vários.     

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