O nojo do bel-prazer

Os andorinhões só confirmam a nossa traidora e imerecida sorte.

Voltaram os andorinhões. Os andorinhões voltaram. Cada vez parece a última. E são cada vez menos os andorinhões. Mas o milagre repetiu-se. As velocidades e os gritos vêem-nos e voam-nos nas janelas que abrimos para os recebermos. Chegaram. Chegaram não só sem ajuda nossa, como apesar de todas as coisas estúpidas e assassinas que nós, os seres humanos, fazemos contra todos os animais por ignorância, indiferença ou ganância. Melhor seria se fizéssemos as coisas por maldade: seriam menos as vítimas. É o mundo que nós não controlamos e que ainda não conseguimos matar que nos levanta acima de nós próprios, fascinando-nos e humilhando-nos na melhor medida possível para ganharmos juízo e arrepiarmos caminho.

Temos de ser menos presentes. Temos de ocupar menos espaço. Temos de deixar de interferir. Temos de desocupar, arrependida e culposamente, o lugar no centro do mundo e da vida que ocupámos para podermos destruir tudo a nosso bel-prazer.

Os telhados são cada vez mais inóspitos para os andorinhões. Não parece que queremos matá-los: queremos matá-los. Só para termos um telhado mais barato. Não sabemos comparar os milagres enormes com as poupanças de cêntimos apenas.Choro quando penso nos muitos animais que conseguiram conviver connosco e com as nossas construções, sem nada pedirem de nós excepto uma preguiçosa continuação. Tratamos mal todos os animais, dependendo ou não de nós. Os andorinhões só confirmam a nossa traidora e imerecida sorte.

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