Não me arrependo de nada

Há frases que passo o tempo a ouvir que me divertem. “Eu não me arrependo de nada” é uma delas. Ouvi-la de gente que não conheço de lado nenhum tanto se me dá.

Mas dita com convicção por amigos ou então por gente de nível, polida, com estudos, que aparece devidamente engravatada na TV, exigente consigo e com os outros, dá-me para o riso. Como é possível levarem-se tão a sério?

Se não se arrependeram de nada, se não deixaram nada para trás, se não têm uma falha por preencher, que aprendizagens tiveram, que frustrações geriram, a que superações se entregaram para viverem o que escolheram e não o que é esperado deles por Outros?

Eu arrependo-me de imensa coisa. E já fui muitas vezes ridículo. Pensei nisto ao ler uma coluna semanal da revista de domingo do El Pais, intitulada “todos cometemos errores“, onde algumas personalidades são convidadas a relatar um qualquer episódio incómodo da sua vida. É um dispositivo simples que gera identificação.

Reconhecemo-nos naquelas fragilidades, na partilha de dificuldades ou nos impasses. É quando percebemos que o Outro tem os mesmos impedimentos que nós – e por isso não nos vai criticar – que nasce a vontade de repartir, de compreender e de ultrapassar dificuldades. É aí que nos encontramos realmente com o Outro. É na partilha da possível falha, não na aparência do sucesso.

De seguida leio um jornal português e lá encontro a história de um português triunfador no estrangeiro. Nos últimos anos, principalmente depois do irromper da crise, enchem-nos de histórias semelhantes. Por norma este tipo de artigos é sobre um português que é sempre “o melhor do mundo” em qualquer coisa, que “está lá fora” e, talvez motivado pelas perguntas hiperbólicas, assegura que “gostava de fazer algo para mudar Portugal.”

Este tipo de jornalismo tornou-se num género. É o jornalismo auto-ajuda. Os artigos são todos iguais, bem-intencionados, pretendendo mostrar que não temos de andar cabisbaixos e podemos vencer em qualquer lugar, pelo menos segundo a ideia de alguns do que é vencer.

Passamos o tempo nisto: em fantasias de grandeza ou de desgraça, nunca enquadrados com a realidade. Parece que apenas temos heróis, reconhecidos lá fora, ou o vazio. Esquecemo-nos de olhar para o lado, para o senhor Manuel que construiu um lugar de tranquilidade para si e para os seus, sem nunca ter desejado o sucesso de Mourinho, ou da senhora Amélia, que não necessita de ser citada na 18ª posição da revista internacional de jardinagem, para se sentir inteira. Tendemos a esquecer que todos podemos contribuir para a criação de um espaço de bem-estar colectivo sem esta lógica bipolar.

Pior. Na ânsia de queremos mostrar às novas gerações que podem vencer, não estaremos a esquecer-nos de ensiná-los a falhar? Dizemos-lhe de forma massacrante que têm de alcançar metas e perseguir objectivos, mas não os ensinamos a lidar com as inevitáveis frustrações com que se irão deparar em algum momento da sua vida. Todos o sabemos, por mais que alguns o disfarcem. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne destrutivo. E é a partir dessa consciência que se pode tentar, sem ter grandes receios de errar.

Isto parece simples. Básico, até. Mas é tantas vezes esquecido.  Quando queremos impressionar socialmente, tendemos a expor a nossa fachada, de sorriso lindo e camisa nova e falamos dos nossos feitos. Mas se queremos ir além das aparências e ser mais do que admirados o melhor é começar pelos arrependimentos.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários