Hospital de São João começou a fazer cirurgias de mudança de sexo

A unidade de Coimbra já não é a única resposta do SNS. O centro hospitalar localizado no Porto fez uma cirurgia de reatribuição de feminino para masculino.

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Inspecção detectou insuficiências na unidade de Coimbra MARIA JOÃO BALA

A Unidade Reconstrutiva Génito-Urinária e Sexual (URGUS) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra já não é a única resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para quem precisa de mudar de sexo. O Centro Hospitalar de São João, no Porto, começou a fazer cirurgias de reatribuição genital. Feza primeira no início deste mês de feminino para masculino e já agendou outra para a semana.

A reatribuição de género acarreta diversas intervenções cirúrgicas. Nem todas as pessoas  chegam a fazer mudança de órgãos genitais. Até agora, Coimbra era a única resposta do SNS. Alguns transexuais chegam a endividar-se para recorrer a um hospital privado de Lisboa. 

“Não concordamos muito com a ideia de ter um centro de referenciação nacional”, refere Álvaro Silva, director do Serviço de Cirurgia Plástica, numa alusão a uma intenção avançada pelo presidente da administração do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “Achámos que os hospitais centrais, como o São João, o Universitários de Coimbra, o Santa Maria ou o São José devem poder fazer qualquer tipo de cirurgias plásticas, incluindo as de reatribuição de género”, esclarece.

Há quatro médicos naquele serviço de cirurgia plástica com capacidade para fazer este tipo de trabalho. “Tiveram formação em centros de referência na Bélgica e na França”, adianta Álvaro Silva. No SNS, indica, há pelo menos outros três médicos aptos: dois em Coimbra e um em Lisboa.

A reatribuição de género implica um longo processo. Cada pessoa tem de sujeitar-se a uma apurada avaliação médica. Se lhe for diagnosticada “Perturbação de Identidade de Género” ou “Disforia de Género”, tem de repetir os exames, num local distinto. Com os dois diagnósticos, pode avançar para a terapêutica hormonal, prescrita por um endocrinologista. E, por fim, sujeitar-se às cirurgias.

“O Centro Hospitalar de São João já tinha feito algumas intervenções deste tipo há uns anos”, recorda Álvaro Silva. A cirurgiã saiu. Manteve-se a consulta multidisciplinar, coordenada pela psiquiatra Márcia Mota. “No fundo, isto é uma resposta que temos de dar a essa consulta”, resume.

Dez pessoas na fase final da transição

Álvaro Silva não julga necessário criar uma lista de espera específica para estas cirurgias, como a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) recomendou à URGUS. O fundamental, para ele, é “atribuir mais tempo de bloco” à equipa. “Lidamos com um manancial de patologias”, frisa. E cada intervenção daquelas dura dez a doze horas e envolve os serviços de ginecologia, urologia e anestesia. Esse tempo, defende, “tem de ser acrescentado ao bloco e não retirado a outros” utentes. 

O director do Serviço de Cirurgia Plástica do São João não conseguia este domingo dizer quantas pessoas estão a ser acompanhadas na consulta multidisciplinar. “Temos gente à espera. Temos pelo menos dez que estão na fase final da transição. Para a semana, vamos fazer uma cirurgia [genital] de feminino para masculino”.

As cirurgias de reatribuição de género estão previstas na lei portuguesa desde 1995. O cirurgião Godinho de Matos começou a fazê-las no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, em 1999 e continuou até 2005, altura em que se reformou. O cirurgião Décio Ferreira tomou o seu lugar, ocupando-o até se aposentar, em 2011. Foi então criada a URGUS, na qual a IGAS detectou uma série de insuficiências que a administração hospitalar garante agora estar a resolver.

“É a primeira vez que estou a ouvir [que o São João começou a fazer cirurgia de reconfiguração genital]”, reage o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva. Foi ele quem encaminhou as queixas apresentadas por transexuais sobre a URGUS à IGAS. “Visto que o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra não responde às necessidades, é de saudar que exista outro centro no Serviço Nacional de Saúde onde as pessoas com disforia de género podem ir fazer cirurgia genital”, diz.

A cirurgia de reatribuição feita no início deste mês no São João implicou construção de pénis com retalho livre antebraquial radial esquerdo. E remoção de vagina, alongamento de uretra, colocação de cateter urinário na bexiga, construção de bolsa testicular. É, aponta o bastonário, a técnica belga. “Há técnicas mais recentes e mais apreciadas pelas pessoas com disforia de género.”

O bastonário “gostava que os centros do SNS que fazem cirurgias de transição genital informassem a Ordem dos Médicos das técnicas que utilizam e que dessem às pessoas com disforia de género a possibilidade de escolher”. "É importante usar as técnicas que proporcionam os melhores resultados”, sustenta.

Os médicos de família podem encaminhar as pessoas com perturbação de identidade de género para Coimbra ou Porto, tendo em conta o interesse do utente, a proximidade geográfica e os tempos médios de resposta. Em Maio, o Governo criou o sistema de livre acesso e circulação, que acabou com a regra de hospital de referência, o que quer dizer que os cidadãos podem ir a qualquer unidade hospitalar do SNS. 

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