Investigada contratação de portugueses para obra em Inglaterra

Foram contratados 106 mas 99 regressaram a Portugal, por não terem trabalho. Agora reclamam pagamentos em atraso.

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Trabalhadores regressaram mas reclamam pagamentos em atraso Luís Pó/Arquivo

A Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e a congénere britânica estão a averiguar as circunstâncias em que foram contratados para uma obra em Birmingham 106 trabalhadores portugueses, a maioria dos quais já regressou a Portugal.

A informação foi avançada à Lusa pelo gabinete do secretário de Estado das Comunidades, que tem estado a acompanhar o processo desde as primeiras queixas dos trabalhadores e pediu à ACT que investigasse o caso.

“A ACT e a congénere britânica estão a tentar esclarecer toda a situação, da regularidade da contratação (...), se [os trabalhadores] podiam ser contratados naqueles termos, se há contrato de trabalho. Tudo, desde o início do processo”, disse à Lusa Cristina Pedroso, do gabinete do secretário de Estado José Cesário.

Em causa está o caso de 106 trabalhadores recrutados por uma empresa em Portugal, a Bespoke Recruitment Services International, para uma empreitada em Birmingham e dos quais apenas sete se encontram actualmente no local.

Os restantes regressaram a Portugal em grupos e datas distintos, uns por vontade própria quando constataram que as condições de trabalho não eram as que esperavam, outros porque não cumpriam os requisitos exigidos pelo empreiteiro e outros ainda porque a empresa em Birmingham reduziu o número de trabalhadores requisitados, contaram à Lusa a empresa de recrutamento e os trabalhadores.

Trabalhadores sem cópia do contrato
Os trabalhadores queixam-se de que não foram cumpridas as premissas do contrato que assinaram com a empresa, mas Cristina Pedroso, que está a acompanhar o processo desde que o consulado de Portugal em Manchester foi chamado pelos funcionários, diz que os trabalhadores não têm qualquer cópia desse contrato.

Recorda ainda que quando a funcionária do consulado pediu uma cópia do contrato à empresa empregadora, esta forneceu “o que parecia ser um acordo entre as empresas, entre uma empresa de trabalho temporário e uma empresa utilizadora”.

Esse contrato, sublinhou, foi enviado para as autoridades do Reino Unido, que estão a cooperar com a ACT para esclarecer a legalidade do processo.

Os trabalhadores foram recrutados pela Bespoke Recruitment Services International, com sede no Estoril, mas o contrato terá sido assinado com a Bespoke Resources & Recruitment Limited, com sede em Londres, para trabalharem para a empresa Volker Laser, que fornece serviços de construção.

A obra em Birmingham, encomendada pela câmara municipal, está entregue à Amey, uma grande construtora britânica, especializada em obras públicas. A empresa garantiu que encoraja o recrutamento local sempre que possível e respondeu à Lusa por email que  “o número de trabalhadores estrangeiros no projecto de restruturação dos túneis representa menos de 4% de toda a mão-de-obra no local”.

“O problema é que muitas vezes há contratação em cascata, o que resulta numa desresponsabilização total de todas as empresas”, disse, por sua vez, Cristina Pedroso.

A responsável do gabinete do secretário de Estado das Comunidades diz que é importante perceber “que tipo de relação jurídica existe [neste caso], que tipo de contrato, o que ainda não se conseguiu perceber”.

Além da ACT, também o Instituto de Emprego e Formação Profissional, que licencia as empresas de trabalho temporário, foi chamado a averiguar se a Bespoke Recruitment Services International é apenas uma empresa de recrutamento ou uma empresa de trabalho temporário “encapotada de empresa de recrutamento”, disse ainda Cristina Pedroso.

Pagamentos em atraso
O caso foi divulgado pela imprensa a 23 de Julho, após os trabalhadores pedirem ajuda ao consulado português em Manchester por estarem alegadamente sem trabalhar e sem receber. Agora que chegaram ao Portugal continuam a reclamar pagamentos em atraso, mas a empresa de recrutamento afirma que todas as dívidas estão saldadas.

Segundo contaram à Lusa o diretor da empresa que recrutou os trabalhadores em Portugal, Steve Craggs, e alguns trabalhadores concentrados esta semana à porta da empresa, os trabalhadores deveriam ter começado a trabalhar a 19 de Julho. No entanto, por decisão do empreiteiro, o início dos trabalhos foi adiado e aos trabalhadores foi proposta uma redução salarial - em vez de receberem por 12 horas diárias, receberiam apenas seis nos dias em que não houvesse trabalho.

Após rejeitarem essa e uma segunda proposta, de oito horas diárias, os trabalhadores obtiveram a garantia de que seriam pagos pelas 12 horas diárias previamente combinadas, estivessem ou não a trabalhar.

Um grupo de 29 trabalhadores decidiu ainda assim desvincular-se do contrato por considerar que “já havia fricção” com a empresa, segundo contou à Lusa um desses trabalhadores, Paulo Rodrigues.

Com a mediação de duas funcionárias do consulado, os trabalhadores e a empresa que os contratara chegaram a um acordo, segundo o qual receberiam 1142 euros pelos dias em que deveriam ter estado a trabalhar (de 19 a 25 de Julho). Ainda no Reino Unido, receberam 250 libras em dinheiro de bolso para chegarem a casa (os voos foram suportados pela empresa) e no dia 25 partiram.

Já em Lisboa, receberam 299,88 euros, pelo que afirmam estar a haver 843 euros. No entanto, a empresa argumenta que aos 1142 euros foram retirados 30% correspondentes aos impostos exigidos no Reino Unido, bem como 100 euros relativos a uma semana de alojamento e o equivalente às 250 libras que, segundo a empresa, era apenas um adiantamento para facilitar o regresso dos trabalhadores. Os trabalhadores contestam estas deduções.

Imprensa critica recrutamento
O adiamento do início da obra e a consequente proposta de redução salarial por parte do empreiteiro terão motivado o protesto dos operários. Também as notícias publicadas na imprensa local, que criticavam a presença de estrangeiros na obra quando a taxa de desemprego na região é de 9,8%, terá motivado o retorno dos portugueses.

Uma notícia publicada a 29 de Julho pelo Birmingham Mail dava conta do mal-estar: “Centenas de trabalhadores estrangeiros trazidos para trabalhar nos túneis da cidade quando o desemprego aumenta”. A notícia acrescentava que cerca de 200 trabalhadores de Portugal e Espanha estavam alojados em residências universitárias enquanto 268 mil residentes da região estavam sem emprego.

A Lusa questionou ainda a empresa sobre a crítica que une os trabalhadores revoltados e a empresa que os recrutou em Portugal. Em conflito aberto e com acusações mútuas, as duas partes concordam pelo menos num ponto: não havia na obra trabalho para tantos homens, o que levou já a empresa a anunciar que vai processar o cliente em Inglaterra por quebra de contrato.

Paulo Rodrigues concorda: “Não dá para perceber o porquê de requisitar 100 homens e depois não haver trabalho nem para dez”, desabafa. Confrontada pela Lusa com estas críticas, a Amey respondeu apenas que os trabalhadores “têm contratos temporários que variam ao longo da duração do projecto devido à natureza mutável dos requisitos”.

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