Um dia feliz

Nos cumprimentos portugueses há falta de imaginação nos adjectivos e forretice nos verbos.

Quando vamos dar um beijinho à Dona Lurdes, depois de mais um belo jantar na Adega das Azenhas, onde ela é a deusa de tudo, ela deseja-nos “uma noite feliz”.

Também se ouve dizer, raramente, “uma noite descansada” ou (causando inefáveis medos) “uma santa noite”. São desejos bonitos e, acima de tudo, diferentes.

De onde vem esta falta de imaginação adjectival que nos condena, a cada dia, a um bom dia, a uma boa tarde e uma boa noite? E, como será o fim-de-semana que nos desejam? As sandálias estremecem de antecipação. Será louco? Será divertido? Será calmo? Não, é um bom fim-de-semana.

Bom já diz tudo, não é? Tanto mais que cada vez mais se pormenoriza “um bom domingo”, não havendo ainda — sabe-se lá porque bizarra omissão quaisquer votos no sentido de passarmos “um bom sábado”.

Aliás quando nos dizem “bom dia” não sabemos se estão a desejar que passemos um bom dia ou se estão a fazer um comentário favorável sobre o dia, como “está um dia maravilhoso, não está?”

Nos cumprimentos portugueses há falta de imaginação nos adjectivos e forretice nos verbos. Por isso é que o excelente “passou bem?” redundou na estupidez tacanha do “tudo bem?”. Eu ter passado bem até pode ser plausível. Estar tudo bem é que é claramente impossível.

Dirão que são convenções, que não interessa o que se diz. Cegueira. Quando a nossa amiga Dona Lurdes nos deseja uma noite feliz, a noite começa logo ali a ser mais feliz do que era. A força das palavras tanto adormece como acorda.

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