O Presidente das quintas-feiras e o dos dias todos

Cavaco Silva não quis só "prestar contas aos portugueses", não vem apenas justificar o seu trabalho, mas vincar uma diferença: a de como ele vê e assumiu o papel de Presidente.

Quinta-feira e outros dias não é só o nome do livro de Cavaco Silva, é o mote de uma tese. Porque Cavaco Silva não quis só "prestar contas aos portugueses", não vem apenas justificar o seu trabalho, mas vincar uma diferença: a de como ele vê e assumiu o papel de Presidente.

Sobre a prestação de contas não há dúvidas: as minuciosas notas de Cavaco são uma justificação de um chefe de Estado que saiu sem grande glória do Palácio de Belém. É assim que nos descreve como vê José Sócrates, que nos explica como tentou levá-lo a bom rumo e como nos explicita que esteve fora do seu controlo evitar o pior. Cavaco Silva chama-lhe "factos, indesmentíveis" - que outros dirão contestáveis. Isso é o que fica para a história, que se fará mais tarde.

Mas o pressuposto desta "prestação de contas" não é um simples concurso de popularidade, nem um simplista acerto de contas com a história. É um entendimento muito diferente sobre qual deve ser o papel de um Presidente da República.

Basta ver quão preciso foi Cavaco na justifição do título que escolheu: as reuniões semanais de quinta-feira, disse ele, são "a via mais eficaz que um Presidente dispõe para influenciar o processo político de decisão" do Governo. Era às quintas, portanto, que ele usava plenamente os seus poderes face ao Governo. Os outros dias desembocavam ali, na audiência semanal com o primeiro-ministro.

Eis, portanto, como se via o Presidente Cavaco: à distância, falando à semana com o primeiro-ministro, como um sistema de segurança na condução do país. Cavaco era um Presidente GPS, Airbag, um cinto de segurança. 

Marcelo é outra coisa. Sempre fora de Belém, ele é o Presidente pós-Cavaco. Sem enganos, porque foi assim que se mostrou na campanha presidencial: distribuindo beijinhos e abraços por Portugal inteiro, procurando a influência na medida da sua popularidade. E aplicando-a sem reservas: ao contrário de Cavaco com Sócrates, as conversas de Marcelo com António Costa não podem ser medidas à semana, terão de o ser à hora.

É assim, para o bem e para o mal: Marcelo agita, Marcelo manda, Marcelo cansa. E às tantas, lendo Cavaco Silva, damos por nós a perguntar se era preciso tanta diferença.

Como a história não se faz num ano, teremos que esperar uns anos para a julgar à distância, medindo as circunstâncias, o risco, as acções e os poderes que cada um assume. Na certeza disto: se a história dos chefes de Estado não se mede pela popularidade, não é menos verdade que terá de se medir pelo sucesso do país em cada um dos seus mandatos. Justa ou injustamente. É por isso que lhes chamamos presidentes.

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