Bem-vindo, dr. Portas!

Se há político que, em Portugal, foi paladino da introdução de métodos participativos no modelo representativo, foi Portas.

Depois de mais um ano afastado dos palcos mediáticos, o ex-líder do CDS e ex-vice primeiro-ministro do Governo PSD-CDS, Paulo Portas, regressou segunda-feira à visibilidade pública, proferindo uma conferência sobre “Globalização e desglobalização – Os desafios da Europa face à nova liderança norte-americana”, num almoço-palestra promovido pela Universidade Católica.

Surpreendentemente, Paulo Portas surge renascido no seu pensamento político e mostra-se um entusiasmado defensor da democracia representativa em moldes clássicos em detrimento de fórmulas mistas que contemplam métodos da democracia participativa.

De acordo com a reportagem feita no PÚBLICO pela jornalista Leonete Botelho, Paulo Portas considerou que "a democracia directa é uma das causas da corrosão da democracia na Europa" e afirmou: "Quanto mais vejo referendos, primárias e directas e as suas consequências, mais admiro o método cardinalício."

Já depois da conferência, em declarações ao PÚBLICO precisou o seu pensamento, defendendo que a democracia directa é "o reino das minorias activistas", enquanto na democracia representativa "as decisões são tomadas por instituições e não por ‘militantes’". Assumiu ainda que o exemplo do colégio de cardeais foi uma "graça" para demonstrar "como decisões históricas saíram de um pequeno grupo de pessoas", escreve Leonete Botelho.

Não pretendo analisar a escolha do exemplo comparativo do colégio cardinalício, pois não conheço os motivos que levaram a esta "graça". Apenas sublinhar que este órgão é composto por cardeais que chegam ao topo da hierarquia eclesiástica por nomeação papal. Por sua vez, na democracia representativa o poder político-institucional é exercido por representantes políticos eleitos democraticamente pelos cidadãos. Considero, porém, relevantíssima a conversão de Portas à democracia participativa clássica.

Isto porque, se há político que, em Portugal, foi paladino da introdução de métodos participativos no modelo representativo, foi Portas. E é de facto surpreendente vê-lo a rejeitar "referendos, primárias e directas e as suas consequências", quando, ao longo da sua história cívica e política, liderou e orientou a estratégia de campanhas políticas que passaram precisamente pela utilização de métodos participativos, como o referendo ou as directas.

É bom recordar que as eleições directas foram introduzidas em Portugal pelo CDS. E se, em 2005, elas foram estreadas por Ribeiro e Castro na presidência deste partido, a verdade é que as directas entraram nos estatutos do CDS já em 2007, por proposta da JP, apadrinhada pelo então de novo líder Paulo Portas. É também verdade que em 2011 as directas saem de novo dos estatutos, mediante proposta da JP igualmente apadrinhada pelo líder.

Mas o mais surpreendente é ver Portas a rejeitar o referendo. Isto, porque ele foi um dos estrategos da gorada campanha pelo referendo ao Tratado de Maastricht — e pela defesa do não em relação ao euro aí criado — levada a cabo pelo CDS liderado por Manuel Monteiro e pelos seus correligionários políticos Jorge Ferreira, Gonçalo Ribeiro da Costa, Luís Nobre Guedes e Luís Queiró. Assim como foi um dos protagonistas das campanhas do não nos referendos à despenalização do aborto (1998 e 2007) e no referendo à criação de regiões (1998).

É importante ver agora Portas a defender as virtudes da democracia representativa, mas parece-me que a sua rejeição de métodos participativos vem tarde. Não porque seja tarde para alguém mudar de posição, nunca é. Mas, num mundo em que a globalização é uma realidade e em que o acesso dos cidadãos à informação e ao debate é potenciada pela Net, parece-me impossível ignorar a pressão sobre os partidos e as instituições políticas para aceitarem novas formas de participação da cidadania.

Esta constatação não me impede, enquanto defensora das virtudes da democracia representativa e detentora de dúvidas sobre a democracia participativa, de saudar a nova posição do ex-líder do CDS e de dizer: bem-vindo, dr. Portas!

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