A missa de Marcelo e o ecumenismo

O ecumenismo do Prof. Marcelo, como católico publicamente assumido, vai buscar as suas raízes ao Concílio Vaticano II.

A propósito da sua tomada de posse, no próximo dia 9 de Março, como Presidente da República, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa está a promover a celebração de uma missa na Mesquita de Lisboa, com a presença já assegurada dos vários representantes das religiões existentes em Portugal. Esta feliz iniciativa ecuménica teria já merecido a acusação de violação do princípio da separação das igrejas do Estado, se tal tivesse por convite apenas a igreja católica, o que revela, com manifesta evidência, a boa compreensão dos portugueses quando está em causa a matéria ecuménica.

O ecumenismo do Prof. Marcelo, como católico publicamente assumido, vai buscar as suas raízes ao Concílio Vaticano II. Dos 16 documentos aprovados neste Concílio importa salientar a constituição “Gaudium et Spes”, sobre a igreja no mundo”, a “Nostra aetate”, sobre as relações com as religiões não cristãs, a “Dignitatis Humanae”, sobre a liberdade religiosa e o decreto “Orientalium Eclesiarum” sobre as igrejas orientais católicas. Dos referidos documentos importa aqui salientar o respeitante ao diálogo inter-religioso, tema querido de Paulo II, que foi o primeiro Papa a visitar uma sinagoga e uma mesquita, e embora com menor intensidade, também do Papa Bento XVI. Actualmente, o diálogo inter-religioso é também uma preocupação que tem obtido prioridade na agenda do Papa Francisco.

Tal preocupação tem razão de ser, porquanto, a propósito das guerras no Médio Oriente, existe quem preconize uma luta entre culturas ou um choque entre o Ocidente e o Islão, como cenário mundial inevitável. Como muito bem escreveu Hans Kung, teólogo católico suíço, “não há paz entre as nações sem paz entre as religiões”. Daí que as opções parecem ser claras: ou se opta por uma rivalidade entre as religiões, choque de culturas e guerra das nações ou se opta pelo diálogo de culturas e paz entre as religiões, como pressuposto para a paz entre as nações.

O tema fé e razão foi, para Bento XVI, ao longo da sua carreira como professor e depois como Papa, uma questão a que atribuiu grande importância para o diálogo inter-religioso. Num discurso proferido na Universidade de Ratisbona, Alemanha, em Setembro de 2006, Bento XVI dizia que na “cultura do Ocidente, Deus está ausente por um excesso da razão e na cultura do Oriente parece haver um excesso de religião, por carência de razão. Nos dois casos, diz Bento XVI, há um desencontro entre a fé e a razão. O excesso da razão no Ocidente deu origem, primeiro ao iluminismo e ao laicismo e actualmente à indiferença; por sua vez a carência da razão, no Oriente, faz nascer a teocracia clássica e o fanatismo persecutório.” Quanto ao tema “fé e razão”, não seria tão assertivo como Bento XVI, porquanto na cultura ocidental cristã existe também, em muitos casos, ausência de razão.

Num tempo em que a Europa atrai, fatalmente, muitas populações por razões económicas e uma grande vaga de refugiados, está a conhecer uma autêntica diversidade cultural que vai muito além da liberdade política e religiosa. Os pontos de contacto que se buscam nas diversas culturas poderão ir além dos chamados “valores humanos”. Por isso, o diálogo intercultural e inter-religioso ajudará, sem dúvida, a esclarecer esta multiplicidade enorme de tendências e de culturas que caraterizam este princípio de século. Todos estes fenómenos exigirão da parte da UE cuidados acrescidos no sentido de encontrar meios materiais e culturais que ajudem a repetiva integração e evitar conflitos sociais baseados na política, raça, religião, sexo, etc.

É por todas estas razões que a iniciativa promovida por Marcelo Rebelo de Sousa tem grande alcance social de integração. Daí que, numa linguagem jurídica, se possa dizer que existem já fortes indícios reveladores de que Marcelo Rebelo de Sousa irá ser um excelente Presidente da República. Os portugueses aguardam com grande expectativa.

Juiz desembargador jubilado

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