A intensidade do local

Em tempo de campanha autárquica e perante projectos de uma nova vaga de descentralizações, pode fazer sentido pensar um pouco sobre a relação nacional – local.

A legitimidade do nível local da decisão política em sentido amplo não está em causa. Todos percebemos a vantagem que há em poder decidir-se directamente e com conteúdos especialmente adequados, de uma forma mais expedita e mais orientada às necessidades directas de um dado território e de uma população circunscritos. No entanto, a intensidade e o âmbito desse poder de decisão ao nível local pode e deve ser devidamente pensado, em especial à luz de critérios de justiça e de redução das desigualdades.

Se há matérias e situações em que uma lógica de discriminação positiva assente na intervenção ao nível local é perfeitamente justificada, noutras, contudo, pode ser precisamente o inverso: a diferenciação que se atinge pela tomada de decisão ao nível local não só não corrige qualquer “injustiça” como pode provocar várias.

Em termos claros: a sucessiva transferência de competências e recursos do “poder central”, mesmo que regionalizado ou descentralizado, para o poder local tem cumprido que objectivos e com que nível de sucesso? Que avaliações conhecemos disto mesmo? Em que matérias se deveria avançar mais? Ou, em sentido inverso, retroceder?

A desigualdade territorial é um tema vasto. Diversas desigualdades “naturais”, consideradas inaceitáveis pelo nossos padrões e objectivos de desenvolvimento económico e social, podem até ser reduzidas precisamente através de uma maior uniformidade de políticas e das suas consequências e não necessariamente sempre através da sua formatação especial em territórios reduzidos.

A história, globalmente positiva, da nossa educação obrigatória no pós-25 de Abril, e até antes, foi essa mesmo. Já olhar, por exemplo, para a rede de ensino superior público no território nacional é olhar para a história de um planeamento cujo casuísmo e localismos quase primários foram infelizmente demasiado decisivos...

Uma boa máxima nestes temas – simplista, contudo, como todas – pode ser a de “mínimos nacionais, máximos locais”. Ou seja, após estabelecer-se padrões mínimos a atingir com um grau de uniformidade apreciável, pelo menos quanto aos resultados atingidos, defender-se que o nível local seja o determinante naquela que é, por exemplo, a oferta pública efectiva num dado território, no modo em que esta se concretiza.

No entanto, hoje as pessoas circulam e reagem aos estímulos de um modo mais rápido que há algumas décadas. Será que as boas práticas de um local vão sempre contaminar positivamente os seus arredores ou, pelo contrário, também condenar populações de territórios à volta a uma discriminação desnecessária? Ou ainda: deve ser a personalidade e a disponibilidade de um autarca, por exemplo, o dado decisivo para a qualidade de vida gozada pelas pessoas de um dado território?

Sabemos bem como os concelhos, e até as freguesias, são competitivos entre si, normalmente perante os seus interlocutores do Estado. No entanto, promessas aparentemente boas, como a promessa de redução de impostos em certos concelhos ou de apoios sociais suplementares aos seus residentes, são promessas efectivamente boas? E para quem? Não trazem necessariamente consigo uma afectação suplementar posterior de fundos provenientes do Orçamento de Estado? Ou como explicar ao residente do início de uma rua que os seus direitos afinal são pragmaticamente distintos dos do residente da mesma rua, lá mais ao fundo, porque entretanto está já na geografia de outro concelho ou freguesia? 

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