Rock e passagem do tempo

Aos 71 anos o cantor Mick Jagger continua com a voz intacta e revela uma notável agilidade em palco. É o sustentáculo principal dos concertos do grupo rock Rolling Stones, apesar do guitarrista Keith Richards ter também muito protagonismo.

Lendo e ouvindo as reacções de surpresa suscitadas pela performance do grupo no festival Rock In Rio era isso que ficava: todos elogiavam a excelente forma física do cantor.

Uns dias depois a formação Sun Ra Arkestra, liderada por Marshall Allen, de 91 anos, foi responsável por dois magníficos concertos em Lisboa e Porto. São acontecimentos de impacto mediático diferente, mas a idade de Allen não foi muito focada, porque falamos de jazz, onde os veteranos abundam.

O mesmo se passou com o brasileiro Caetano Veloso, também de 71 anos, que no último fim de semana actuou no festival NOS Primavera Sound. A sua prestação física em palco não é comparável à de Mick Jagger, mas a verdade é que sua idade também não constitui um tema de conversa tão premente.

A idade, a passagem do tempo, só parece ser tópico de debate quando se fala de cultura rock. O que faz sentido porque existe uma nítida dissociação entre o discurso sobre o rock (essa ideia de que é música que reflecte o que é ser jovem, que é para os jovens e feita por jovens) e a realidade. Debatemos o rock como o fazíamos na sua génese mas as circunstâncias são outras.

Olhando para o cartaz do festival NOS Primavera Sound facilmente se percebia que parte dos grupos é formada por músicos que já passaram a meia idade (Pixies, Slint, Slowdive, Television ou GYBE!). Há umas décadas seria motivo de surpresa. Hoje não. É cada vez mais vulgar. O rock , como o jazz, ou a clássica envelheceu. Não só os seus agentes, como os consumidores. Os discursos, as leis do mercado e os meios de comunicação insistem na ideia que é uma forma de expressão da juventude. Mas hoje é realmente transgeracional.  

Bill Clinton vibrou com os Rolling Stones e Bruce Springsteen. E David Cameron cita os The Smiths no parlamento inglês. Não só se tornou num fenómeno para todas as idades, como perdeu a sua áurea transgressora.  Hoje nunca se sabe quando é que o nosso avô pode subir a um palco de guitarra. Nos últimos anos tornou-se vulgar. E já não vale a pena ficar-se embaraçado.

Mas nem sempre a boa forma física, ao nível de Mick Jagger, é vista com bons olhos. Principalmente quando se é mulher e da música pop. Veja-se o caso de Madonna, 55 anos. Nas fotos promocionais do seu último álbum a cantora denotava uma boa forma física, mas nesse caso o efeito foi uma avalanche de comentários assentes nessa ideia de que teria dificuldades em assumir a idade. Como se o erotismo de outrora fosse agora apenas aeróbica. No fim de contas, como Jagger.

Antes o rock parecia ser apenas capaz de registar os rituais de passagem para a vida adulta. Hoje tudo se confunde. Está lá tudo, da crise da meia-idade à terceira-idade. É só escolher. 

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