O capitalismo selvagem sobrevive na selva

O capitalismo selvagem, tal como está no nome, sobrevive na selva. A sua inclinação darwiniana para matar o mais fraco está-lhe no sangue.

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Megafone P3 Guillermo Vidal
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O comércio independente está a morrer, a sofrer às mãos de um sistema que não olha à História, à memória, à comunidade. Em nome da liberdade, o capitalismo selvagem caçou o pequeno comércio de rua, tirando aos sítios, aos lugares, às pessoas a carga emocional que um negócio antigo carrega consigo, as vidas em que participou, a passagem do tempo que ali encontra um ponto fixo e material que serve de bengala às recordações, algo do mais profundamente humano.

Aquilo que nos foi vendido como uma liberdade de escolha no consumo está a tornar-se numa tirania do monopólio. É como o jogo do gato e do rato, mas o gato transformou-se em leão insaciável e o rato indefensável mantém-se como a sua presa de eleição. São onze contra um e no fim ganha a grande indústria, provando assim que os tempos em que o mais fraco ganhava no fim podem ter acabado.

O capitalismo selvagem, tal como está no nome, sobrevive na selva. A sua inclinação darwiniana para matar o mais fraco está-lhe no sangue. É da sua natureza animal identificar o alvo, esperar o momento certo, e abater. Mas como isto se trata de pessoas, ainda havia esperança que os instintos não se sobrepusessem aos valores colectivos em que assenta uma sociedade, nomeadamente o da colaboração ou da empatia. Talvez o dinheiro seja o espelho que revela o focinho animal que a pele humana esconde.

Se nada fizermos vamos, brevemente, poder agradecer ao Senhor Capitalismo Selvagem a oportunidade que nos deu de andarmos todos vestidos de igual, com as mesmas marcas, a comer as mesmas coisas, a ouvir as mesmas músicas, a ler os mesmos livros, a ver os mesmos filmes ou de decorar as nossas casas com as mesmas almofadas, móveis, quadros e molduras. Lá se vai o vestido por medida, o disco que só se encontrava naquela loja de esquina, o alfarrabista que tinha aquele livro que não encontrávamos em lado nenhum, o cinema que passava aquele filme que nunca apanharíamos no centro comercial, o móvel à antiga perdido no meio das antiguidades naquele sítio onde tudo se reabilitava.

O plástico, o rápido, o popular estão a ganhar com larga vantagem nesta corrida de lebre e tartaruga. Resta-nos apoiar a tartaruga, que está do lado do tempo, do detalhe, da qualidade, dar-lhe uns empurrõezinhos e não nos esquecermos que tudo se faz. Como diria Ary dos Santos, “isto vai meus amigos, isto vai”.

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