Mais vale prevenir do que remediar

A estratégia mais promissora para reduzir as desigualdades na Europa passa pelas políticas de pré-distribuição, para prevenir a emergência das desigualdades, ao invés de tentar corrigi-las.

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Ficámos a saber, recentemente, que a taxa de risco de pobreza em Portugal se situou nos 20,1% em 2022, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística. Significa que, nesse ano, mais de 2 milhões de portugueses viveram com menos de 591 euros líquidos mensais.

Portugal está longe de ser um caso único. Segundo o Eurostat, este indicador da pobreza foi de cerca de 26% em Espanha, na Letónia e na Grécia, 32% na Bulgária e 34% na Roménia. Estes dados são, no mínimo, surpreendentes, tendo em conta que o conjunto dos 27 Estados-membros gera cerca de 15% do PIB mundial.

Como é que uma região que gera tanta riqueza tem tantos pobres?

À primeira vista, parecerá tratar-se de um caso clássico de redistribuição de riqueza. Se os países mais ricos da UE adotassem políticas internas mais equitativas e repartissem uma fatia mais substancial do seu rendimento com os mais Estados mais pobres, resolver-se-ia rapidamente o problema.

Mas não é claro que assim seja.

Desde logo, transferir riqueza entre Estados-membros não equivale, necessariamente, a acabar com a pobreza. Basta pensar nas dificuldades crónicas que Portugal tem enfrentado para executar e rentabilizar os fundos estruturais que recebe há várias décadas.

Por outro lado, ainda que fosse exequível, a transferência de verbas em larga escala colocaria os países pobres numa situação de enorme dependência e vulnerabilidade face aos mais prósperos. Qualquer endurecimento das opções políticas dos Estados mais prósperos, ou aumento da pressão das suas opiniões públicas, deixaria os mais pobres de mãos a abanar.

Desta maneira, a estratégia mais promissora para reduzir as desigualdades na Europa passa por aplicar políticas de pré-distribuição. Trata-se de um conjunto de medidas destinadas a prevenir a emergência das desigualdades, ao invés de tentar corrigi-las. A ideia por detrás desta abordagem é a de que será mais eficaz do ponto de vista económico, e mais viável no plano político, alterar determinadas regras do mercado único potenciadoras de desigualdades do que exigir transferências avultadas e contínuas entre os Estados-membros.

Ao nível europeu, optar pela pré-distribuição implicaria pelo menos dois tipos de medidas.

Em primeiro lugar, seria necessário adotar um enquadramento fiscal comum que permitisse não só tributar devidamente as empresas multinacionais, como limitar a concorrência fiscal entre os Estados-membros. Por exemplo, ao abrigo deste pacote, as empresas europeias seriam obrigadas a pagar impostos sobre os lucros nos países onde, efetivamente, desenvolvem a sua atividade económica, independentemente de onde tenham localizado a sua sede estatutária. Esta medida daria alguma margem de manobra aos erários públicos dos países mais pobres, que poderiam usar os fundos adicionais para promover o investimento público e financiar os seus serviços sociais.

Em segundo lugar, esta estratégia pré-distributiva implicaria a criação de um Código Europeu do Trabalho que conduzisse a uma harmonização mais profunda das regras laborais, como as indemnizações por despedimento. Deixaria, assim, de haver um incentivo à existência de economias low-cost no espaço comunitário, ancoradas num modelo de salários baixos, privilegiando-se outros fatores de competitividade, como o talento e a inovação. Um primeiro passo neste sentido foi, aliás, dado com a adoção da diretiva dos salários mínimos adequados, que deverá ser transposta para as legislações nacionais até ao final de 2024.

É certo que estas medidas não eliminariam todas as desigualdades nem dispensariam o uso de alguns mecanismos redistributivos, como os fundos estruturais. Mas, sem dúvida, contribuiria para que os países mais pobres se pudessem erguer pelo seu próprio pé, promovendo o bem-estar dos seus cidadãos e desafiando o estigma de dependência que os países do sul tantas vezes enfrentam face aos do norte.

Como ensina a sabedoria popular, mais vale prevenir do que remediar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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