Directiva sobre “salários mínimos adequados” — um inaceitável incentivo aos baixos salários

Aplaudir medidas que promovem o nivelamento por baixo dos salários — ou seja, a convergência, sim, mas para o fundo — é revelador de uma opção política que perpetua desigualdades.

No passado dia 6 de Dezembro, os ministros do Trabalho dos 27 Estados-membros (EM) da União Europeia (UE) acertaram uma posição comum e aprovaram o mandato do Conselho da UE para o início das negociações inter-institucionais da proposta para uma directiva sobre “salários mínimos adequados”. Após a reunião, Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, congratulou-se com a posição comum do Conselho. Mas o que significa esta proposta de directiva para os trabalhadores portugueses?

A proposta encerra em si dois grandes problemas.

O primeiro é o facto de definir critérios para a fixação do valor do Salário Mínimo Nacional (SMN) que é uma competência exclusiva dos EM.

O segundo grande problema está na lista de indicadores a que os EM se deverão cingir aquando da definição do salário mínimo, como a produtividade e a evolução do nível geral de salários. Ora, no caso de Portugal, estes critérios, por um lado, visam condicionar e limitar, ou bloquear mesmo, a valorização do salário mínimo e da restante massa salarial; por outro lado, não correspondem às necessidades e aos interesses dos trabalhadores que mensalmente se confrontam com salários insuficientes para fazer face ao custo de vida e, bem assim, da generalidade dos trabalhadores.

Além destes critérios, é ainda sugerido que os EM utilizem valores de referência indicativos para orientar a sua avaliação da “adequação” dos SMN. Que referenciais são esses? Entre eles estão os limiares de 50% do salário médio bruto e de 60% do salário mediano bruto. Em Portugal, o SMN está acima destes valores (é, aliás, por o SMN estar acima desses valores que a Comissão Europeia tem considerado, em diversos momentos, que o valor do salário mínimo no nosso país é “excessivo”) e não é, de todo, “adequado”, já que mantém muitos dos trabalhadores que o auferem em situação de pobreza. Portanto, esta orientação é particularmente nefasta para os trabalhadores portugueses, mas também para a luta contra a pobreza de quem trabalha.

Os critérios previstos não só estão longe de garantir a adequabilidade do salário de quem diariamente trabalha e produz riqueza como também contribuem para obstaculizar a valorização salarial e, dessa forma, para perpetuar os modelos de baixos salários.

Se esses critérios se mantiverem no final das negociações, serão, sem dúvida, o argumento predilecto daqueles que defendem a contenção do aumento ou estagnação do SMN (e dos salários em geral) em Portugal, argumento que será utilizado, sem pejo, contra os trabalhadores e as suas justas aspirações por um melhor salário. O crescimento do SMN, e dos salários em geral, passaria, por vontade de alguns, a estar condicionado a estes critérios, assumido que foi já pelo Governo e pelas associações patronais que Portugal já cumpre os requisitos sugeridos pela UE. Portanto, o tecto salarial estaria estabelecido!

O outro aspecto da directiva que o Governo considera um grande triunfo é o objectivo de alcançar uma maior cobertura da contratação colectiva (entre 70% e 80%), que ainda assim estará sempre limitada pelos tais indicadores. Não deixa de ser irónico que os principais responsáveis pela imposição, desde 2003, de maiores limitações à negociação e contratação colectivas em Portugal estejam agora preocupados com a sua promoção, ocultando que essa situação fragilizou ainda mais a posição dos trabalhadores nos processos negociais, originou o bloqueio da contratação colectiva e a chantagem da caducidade das convenções colectivas e, consequentemente, diminuiu o seu papel na valorização salarial, melhoria das condições de trabalho e conquista de direitos. Medidas que o PCP propôs revogar inúmeras vezes e que o PS e o seu Governo rejeitaram tantas outras.

Em suma, considerar uma vitória o acordo alcançado choca com a realidade dos trabalhadores que auferem o SMN em Portugal e de todos aqueles cujo salário não garante uma vida digna nem evita situações de exclusão económica e social. E vai prejudicar os seus interesses.

Aplaudir medidas que, em nome de uma dita convergência, o que promovem é o nivelamento por baixo dos salários, ou seja, a convergência, sim, mas para o fundo, é revelador de uma opção política que perpetua desigualdades, baixos salários e exclusão. Uma opção política que a história tem demonstrado errada, que impede o desenvolvimento do país, que o esvazia de recursos e de perspectivas de futuro, que não valoriza nem dignifica os trabalhadores. Uma opção política que esta directiva confirma, mas que será inevitavelmente contrariada pela luta e pela força decisiva dos trabalhadores.

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