Podemos dedicar a vida ao vinho do Porto que, nas vésperas da saída deste mundo – e havendo alguma lucidez –, saberemos sempre que faltou estudar inúmeros aspectos daquele que é um dos vinhos mais desafiantes do mundo. Costuma dizer-se que o Porto Vintage é uma criação da natureza, enquanto o Porto Tawny é a criação do homem. A imagem é bonita e realça um aspecto que quase sempre nos escapa quando falamos de terroir: o papel do Homem na criação de vinhos. É de bom tom dizer-se que o mais importante é o trabalho da natureza, pelo que enólogo só tem de fazer o favor de não estragar as uvas. Isso, em parte, faz sentido com o Porto Vintage, mas, no caso do Tawny, é a intuição que manda. Esta semana, no lançamento do Porto Quinta das Carvalhas 50 anos – a mais recente indicação de idade para Tawnies autorizada pelo IVDP -, Pedro Silva Reis, CEO da Real Companhia Velha (RCV), afirmou que “lotear é a ciência que está mais longe de ser exacta”, isto porque, apesar das regras elementares, “há sempre uma dose de intuição na criação de cada lote de tawny. O tawny é a ligação entre intuição, sabedoria e subjectividade”.
Um tawny datado é um lote de vinhos cuja média de idades é aquela que a garrafa regista (10, 20, 30, 40 ou 50 anos), pelo que a sua construção faz-se com vinhos base com diferentes idades e perfis. E para que um tawny com indicação de idade seja aprovado no IVDP é necessário que esse mesmo vinho esteja de acordo com um perfil que está definido na lei (cor, aromas, sabores, harmonia e por aí fora). Mas isso não impede que cada casa tenha o seu perfil de tawny. De resto, é isto que faz a beleza do vinho do Porto porque há estilos para diferentes perfis de consumidores. Donde, quando o mestre provador e a restante equipa se juntam à volta de meia dúzia de vinhos para fazer um determinado lote, a ideia é sempre procurar o vinho que seja o estilo da casa.
Atendendo a que esta nova indicação de idade (50 anos) é a estreia da Real Companhia Velha, não podemos dizer que está dentro de um padrão, mas está de acordo com um estilo que Pedro Silva Reis defende para tawnys velhos e que foge aos estilos de outras casas. Ou seja, o CEO que também é mestre provador não gosta de vinhos com níveis acéticos minimamente perceptíveis (que indicam os tais vinagrinhos e acetona), oxidações ao nível do ranço ou notas de açúcares concentrados que surgem inevitavelmente com o tempo nos cascos. E, para defender a sua tese, acrescenta: “Se eu, depois do primeiro gole, tiver necessidade de beber água, isso significa que não gosto desse vinho”.
O homem que está a preparar duas trajectórias profissionais em simultâneo (deixar a gestão diária para regressar à sala de provas e, assim, passar a sua experiência enquanto master blender aos filhos), é do tempo em que um tawny deveria parecer ter sempre mais idade. “Quando comecei, dizia-se que servir bem era meter velhice nos vinhos, mas eu fui percebendo que a velhice não é sinónimo de qualidade, pelo que comecei a introduzir da sala de provas o termo agradabilidade. Ou seja, não vale a pena o vinho ser só muito velho ou impressionar no nariz se não for agradável a beber. Ah, e também não vale a pena sentir-se o álcool a flutuar, como alguns mercados gostam. Esta não a é a nossa interpretação de qualidade do vinho do Porto”
No dia da prova, numa sala em Lisboa bem perfumada de Porto, tínhamos, atrás do estreante 50 anos, um Quinta das Carvalhas 40 anos, um tawny de 1967 (mostra de casco) e um Porto Colheita de 1976. A ideia foi mostrar as diferenças entre o 40 e o 50 anos e dar a provar o vinho base que deu origem ao 50 anos (o 1967, que depois teve a colaboração de outras colheitas, entre elas uma da década de 1920) e um Porto Colheita com 47 anos de idade.
E isto para se perceber que um tawny com idade - feito com a alquimia que acrescenta valor - é sempre mais rico do que cada uma das parcelas dos vinhos base que lhe dão origem. Tudo com uma coreografia simbólica para o primeiro Tawny datado com a colaboração de Tiago Silva Reis (filho), que está há um ano na RCV. “Sorte de principiante”, assegura o pai. É o universo do vinho do Porto a seguir o seu caminho. Até nisso o Porto é um mundo à parte.
Nome Quinta das Carvalhas Tawny 50 anos
Produtor Real Companhia Velha
Castas Várias
Região Douro
Grau alcoólico 20%
Preço (euros) Entre 250 e 300 euros
Pontuação 98
Autor Edgardo Pacheco
Notas de prova Na avaliação de um Porto com muita idade há sempre notas padrão que se procuram, mas este tawny 50 anos da Quinta das Carvalhas vai por caminhos diferentes, visto que está muito mais marcado pela juventude, frescura e garra do que por aquela linha que nos atira para um bazar de especiarias, para uma sacristia ou para a sala de um clube inglês do sec XIX. Curiosamente, no nariz, até é bastante linear no caminho das madeiras, dos frutos secos e daqueles perfumes que estão sempre a bailar numa cave de vinho do Porto. Agora, na boca, é extraordinário pelo equilíbrio de frescura, doçura, acidez e álcool. Entra na boca com delicadeza, cresce, dura e dura. Melhor ainda, nunca cansa (um perigo). Em certo sentido fez-nos lembrar certas canções de João Gilberto ou Tom Jobim. À primeira parecem simples, directas e tranquilas, mas com o tempo percebemos que têm tudo menos a simplicidade. Ser simples é uma grande arte.