Restrições ao tabaco. Grossistas e gasolineiras criticam, bares não estão preocupados

Grossistas de tabaco alegam que “distribuição assegura três mil empregos directos e 44 mil indirectos e gera receitas consideráveis”.

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Empresários da noite não estão preocupados com as novas restrições à venda e consumo de tabaco Diego Nery
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Os empresários da noite não parecem preocupados com as novas restrições ao consumo de tabaco anunciadas pelo Governo. Os dos restaurantes preferem esperar para ver o que sairá do Conselho de Ministros esta quinta-feira. Os revendedores de combustível manifestam desagrado. E os grossistas de tabaco mais ainda.

Em cima da mesa do Conselho de Ministros está uma proposta de lei que prevê a interdição, a partir de 23 de Outubro, de fumar nos espaços ao ar livre junto de edifícios públicos, como estabelecimentos de saúde, estabelecimentos de ensino, recintos desportivos, estações, paragens e apeadeiros de transportes públicos. E em todas as esplanadas com algum tipo de cobertura, ainda que parcial.

Já em 2025, restringir-se-á a venda de tabaco a aeroportos e tabacarias ou similares. Desaparecerão as máquinas de restaurantes, bares, salas e recintos de espectáculo, casinos, bingos, salas de jogos, feiras e exposições.

Tabaco só em tabacarias e similares

A Federação Portuguesa de Grossistas de Tabaco não ficou satisfeita com o anúncio. "Actualmente 50% da venda de tabaco decorre das vending machines, devido ao considerável investimento realizado por muitas empresas de distribuição", lê-se no comunicado. "A proibição do vending em cafés, restaurantes e outros locais similares de venda legítima de produtos de tabaco vai originar o aparecimento de outros produtos e de outras formas de venda potenciando um aumento do comércio ilícito."

No documento emitido na tarde desta quarta-feira, aquela organização fala ainda em "redução de postos de trabalho", "limitação de oferta de comércio", "desvirtuamento da concorrência" e limitação das “liberdades individuais do consumidor”. "Actualmente, a actividade de venda e distribuição assegura três mil empregos directos e 44 mil indirectos e gera receitas consideráveis no comércio, sendo essencialmente relevante para o pequeno comércio."

A Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis também já manifestou o seu desagrado. “Não aceitamos, por ser manifestamente discriminatório, que se estejam a desviar ou alterar fluxos de venda do tabaco, concentrando os mesmos apenas nalguns comercializadores”, declara, em comunicado. “Esta medida revela-se desigual e discriminatória, favorecendo e incrementando as receitas e as vendas de um escasso grupo de comercializadores, em detrimento e prejuízo de outros, como o caso dos postos de abastecimento de combustíveis que representamos.”

Questionada pelo PÚBLICO, a Associação da hotelaria, restauração e similares de Portugal (AHRESP) prefere não se pronunciar antes da aprovação da proposta de lei. Diz a responsável pelo Gabinete de Imprensa que aquela organização só falará depois de ler e analisar o que sairá do Conselho de Ministros.

Ricardo Tavares, presidente da Associação Portuguesa de Bares e Discotecas, está convencido de que a restrição na venda de tabaco “não vai influenciar os bares e discotecas”. “Existem operadores que colocam máquinas de tabaco e que fazem a reposição. Uns dão uma pequena percentagem e outros nem isso aos proprietários dos bares e discotecas.”

Posição semelhante expressa António Fonseca, presidente da Associação dos Bares da Zona Histórica do Porto: "Era só uma forma de facilitar a vida aos clientes, não é o coração do negócio.”

Os clientes “vão ter de ter o cuidado de comprar tabaco durante o dia”, torna Tavares. “Haverá, provavelmente, contrabando de tabaco [nas zonas de diversão nocturna]. Haverá pessoas que comprarão durante o dia e que à noite farão negócio disso.” Fonseca prefere pensar que isso ajudará a melhorar outro negócio, o das tabacarias.

Esplanadas livres de tabaco

Ricardo Tavares pede que se tenha em conta todo o quadro legal. “As juntas de freguesia têm feito pressão para não se beber na rua. Beber na rua, só na esplanada. Fumar, só fora da esplanada? Os clientes não podem levar o copo. Espero que o legislador encontre uma forma de as coisas se articularem, de não haver mais confusão na noite.”

António Fonseca, desdramatiza: “Atravessam a rua e vão fumar ao passeio.” Mais importante do que proibir o fumo nas esplanadas seria, em seu entender, desenvolver acções de sensibilização nos espaços de diversão nocturna, sobretudo junto dos mais jovens, que estão na fase de experimentar, de testar fronteiras. “Nunca houve ou, pelo menos, nunca vi acontecer.”

Alguns empresários acabam de fazer avultados investimentos para responder às exigências recentes: pelo menos cem metros quadrados na área dedicada e um pé-direito de três metros, ficando a área reservada a fumadores separada por uma antecâmara ventilada, com portas automáticas de correr. Chegando a 2030, acabou o fumo em recintos fechados. De fora da proibição total de fumar ficam apenas os aeroportos, as estações ferroviárias e as gares marítimas e fluviais.

Para António Fonseca, o embate, para restaurantes, cafés, bares e discotecas, foi com a lei de 2007. “Na altura, houve um impacto negativo. A nova lei obrigou os estabelecimentos a colocar equipamentos de extracção que não tinham. Hoje, tendo em conta o percurso da lei, sabendo que o objectivo do legislador é proibir o consumo de tabaco em recintos fechados, os empresários têm outra mentalidade.” Muitos dos que podiam fazer as adaptações, optaram por manter os espaços livres de tabaco. “Mas ainda hoje notamos que há um deficit de fiscalização.”

José Gouveia, presidente da Associação Discotecas Nacional, tem outra perspectiva. Nas suas declarações à Lusa, fala em "concorrência desleal": "quem já tem [salas de fumo] pode continuar a ter, para quem não tem, não vale a pena fazer porque não vai ser licenciado"; em suma, os "mais antigos podem continuar a ter uma sala e quem queira abrir uma discoteca agora não pode".

Redução de consumo de tabaco

Ao presidente da Federação Portuguesa do Pulmão da FPP, José Alves, as medidas anunciadas pelo Governo “sabem a pouco”. Numa reacção registada pela Lusa, diz que a lei “continua a ser permissiva na sua verificação” e o preço a manter-se relativamente baixo. “O preço continua a ser de pouco mais de cinco euros por maço de tabaco. E o preço é tão importante quanto a lei.”

As restrições começaram em 2007. Em 2005/2006, a prevalência de fumadores estava nos 20,9% (mais de 30% nos homens e cerca de 12% nas mulheres). Esse valor tinha baixado para 20% em 2014 (28% nos homens, 13% nas mulheres) e para 19% em 2019 (24% nos homens e 11% nas mulheres). Os dados no novo inquérito, feito em 2022, deverão ser divulgados no próximo mês.

Manuel Cardoso, subdirector-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (SICAD), não quer discorrer sobre a evolução antes de ter os resultados do novo inquérito nacional na mão. Diz apenas que se prevê que o consumo de tabaco convencional continue em queda e que haja uma subida do consumo de outras formas.

O último Estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco, Drogas e outros Comportamentos Adictivos e Dependências em meio estudantil data de 2019. Inquiridos os alunos das escolas públicas, com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, 38% tinham experimentado tabaco. Em termos de experimentação, destacavam-se os cigarros convencionais (29%), seguindo-se os cigarros electrónicos (22%). Eram mais raras outras formas, como a shisha e o tabaco aquecido (“15% e 5% ao longo da vida, respectivamente”).

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