Boaventura de Sousa Santos afasta-se do CES enquanto durar investigação da comissão independente

CES diz que suspensão de Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins “afecta o exercício de cargos de responsabilidade e/ou representação institucional”.

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Boaventura de Sousa Santos é director emérito do CES desde 2019 Sérgio Azenha

A direcção do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra anunciou, esta sexta-feira, que o seu director emérito, Boaventura de Sousa Santos, e o investigador Bruno Sena Martins, envolvidos em alegações de assédio e abuso sexual nos últimos dias, estão suspensos “de todos os cargos que ocupavam” enquanto durar a investigação de uma comissão independente, cuja constituição foi anunciada na terça-feira. Mas num esclarecimento posterior, enviado já ao início da noite desta sexta-feira, o CES esclareceu que a suspensão de funções dos dois responsáveis foi "solicitada pelos próprios". Meia hora antes, também num comunicado escrito, Boaventura de Sousa Santos garantia ter sido ele a tomar a decisão de se "auto-afastar".

"Tal decisão tem o objectivo de garantir que a instituição possa fazer, com toda a independência necessária às averiguações das informações apresentadas e dar consequência ao processo de apuração interna a partir da comissão independente estabelecida", escrevia também o director emérito do CES.

No segundo esclarecimento, o CES acrescenta que a suspensão de Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins "afecta o exercício de cargos de responsabilidade e/ou representação institucional".

No início da semana, o CES anunciou que ia nomear uma comissão independente para investigar alegações de assédio sexual e moral na instituição. Será composto por dois elementos externos “com competências reconhecidas no tratamento de processo análogos”, cujos nomes ainda não são conhecidos, e pela provedora do CES, Sílvia Portugal.

Num comunicado assinado pela Direcção, liderada desde 2019 por António Sousa Ribeiro, e pela presidência do Conselho Científico, cargo ocupado por Ana Cordeiro Santos, o CES também se “demarca” de “todas as posições assumidas publicamente por Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins” nos últimos dias, “nomeadamente no que respeita à intenção de avançar judicialmente contra as autoras” do capítulo do livro ‘Sexual Misconduct in Academia – Informing an Ethics of Care in the University.

As acusações de má conduta sexual no CES são feitas por três investigadoras num capítulo de um livro publicado por uma editora britânica, nunca identificam os nomes dos alegados responsáveis. O artigo em causa é assinado por Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya, três investigadoras que passaram por aquele centro de investigação. Logo na terça-feira, a direcção do laboratório admitiu que as situações retratadas “terão ocorrido no âmbito do CES”. Nos últimos dias, Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins admitiram também ser os alvos dessas alegações.

Entretanto, mais duas mulheres vieram a público fazer acusações de assédio sexual contra o fundador do CES. Já Bruno Sena Martins, descrito no artigo como o “Aprendiz”, é a pessoa sobre a qual recai a acusação mais directa de “abuso sexual” no artigo que espoletou este caso.

O artigo The walls spoke when no one else would (“As paredes falaram quando mais ninguém o fez”) é um dos capítulos de Sexual Misconduct in Academia (“Má conduta sexual na Academia”), uma publicação colectiva recentemente editada pela Routledge, editora britânica que é uma das mais conceituadas do mundo nas Ciências Sociais e Humanas.

“Os actuais membros dos órgãos de gestão declaram que não têm conhecimento de tentativas de averiguação ou ocultação de eventuais condutas inadequadas que tenham ocorrido no passado”, vincam ainda no comunicado.

Os responsáveis do CES dizem também que, quando os graffiti mencionados no referido artigo – que remontam a 2018 e apontavam o nome do director emérito como responsável por má conduta sexual – surgiram, não foram “acompanhados de participações formais”, tendo, no entanto, suscitado “na instituição a necessidade de constituir mecanismos mais explícitos de regulação e de denúncia”.

É nesse sentido que foram aprovados, em 2019, o Código de Conduta do CES e, no final de 2020, foi instituída a Provedoria, que iniciou a sua actividade em 2021, sublinha. A criação destes organismos já tinha sido mencionada no primeiro comunicado dos responsáveis do centro sobre esta matéria. Desde que foi criada, em 2021, o CES informa que a Provedoria recebeu duas queixas, nenhuma delas por assédio moral ou sexual, informação que o PÚBLICO já tinha avançado na quarta-feira.

Título e arranque da notícia alterados às 21h45 após segundo comunicado do CES

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