Breve resposta a João Miguel Tavares

Para além de JMT confundir irreversibilidade e efeitos secundários, deixa no ar a ideia de que a decisão sobre o processo médico de transição na infância e/ou adolescência não tem por base critérios nem ciência.

Este texto responde ao artigo que João Miguel Tavares (JMT) escreveu sobre o artigo onde desconstruímos ideias erradas sobre as questões trans. Ignoraremos as elucubrações iniciais sobre cultura comparada, e responderemos exclusivamente ao que nos refere. Prefaciamos esta resposta dizendo que respeitamos a sua liberdade de expressão, mas não confundimos o direito à opinião com a (in)validade do seu conteúdo.

1. JMT acusa o nosso texto, com mais de vinte referências bibliográficas (inclusivamente com revisões sistemáticas), de ser “profundamente ideológico”, com um texto sem bibliografia a fundamentar as suas asserções. Para além da literatura citada, reconhecemos no nosso texto a necessidade de mais estudos com metodologias longitudinais, não deixando, contudo, que seja abalroada e ignorada a evidência de que dispomos atualmente.

2. O nosso artigo não menciona nem se dirige a qualquer artigo concreto, e muito menos infere sobre a presença ou não de preconceito transfóbico dos seus autores. É por isso que diferenciamos “o movimento anti-trans” e “os comentadores que lhe dão gratuitamente munição”. Não consideramos serem o mesmo, nem terem a mesma motivação. Mas não ignoramos as consequências e a irresponsabilidade da proliferação de textos desinformados sobre as questões trans.

3. JMT menciona o caso Tavistock, deixando um rasto de suspeição sobre intervenções médicas afirmativas (IMA). Não menciona: a) o enredo legal do caso (e.g., a escolha do “consentimento do menor” como foco da revisão judicial dos requerentes, e não a adequabilidade do tratamento), b) o facto da clínica Tavistock não seguir guidelines e protocolos internacionais, sendo, quando muito, um caso de negligência médica/profissional, e não sobre validade das IMA, c) a decisão judicial ter sido revogada em instância superior, a reapreciação pelo supremo negada, e reafirmado o princípio de competência Gillick. Sugerimos a leitura atenta desta revisão de literatura sobre os elementos médico-científicos do caso Tavistock.

4. JMT afirma, sem fundamentar, que: a) parte dos jovens trans estão confusos, b) há excessiva facilidade no acesso a intervenções médicas, e c) esse processo ocorre sem o devido acompanhamento. Para além dos dados que apresentámos sobre “des-transição”, os dados que dispomos indicam que apenas 7% das crianças com inconformidade de género têm algum tipo de re-transição 5 anos após a transição social, refutando a hipótese da “confusão”. Entretanto, outro estudo concluiu que não há um maior número de adolescentes “raparigas” trans, refutando o talking point anti-trans. Como referimos no nosso artigo, todo esse conhecimento tem limitações, mas não podemos ignorar os dados de que dispomos.

5. Por fim, JMT acusa-nos de mentir, ao alegadamente afirmarmos que bloqueadores de puberdade são totalmente reversíveis. O que afirmamos é que a organização internacional competente, a WPATH, assim o categoriza nos seus standards of care (SOC) (página 18). Em rigor, JMT acusa a WPATH, e não nós, de mentir. Para além de JMT confundir irreversibilidade e efeitos secundários, deixa no ar a ideia de que a decisão sobre o processo médico de transição na infância e/ou adolescência não tem por base critérios nem ciência, daqui resultando, necessariamente, um julgamento sobre a competência das equipas de profissionais no terreno (e.g., psicólogos, cirurgiões, endocrinologistas).

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