A Poças é outro laboratório do Douro

Aos poucos percebe-se que fazer vinhos frescos e equilibrados numa região quente não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Três novidades que mostram o que poderá ser o novo Douro.

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Pedro Poças Pintão conta como aconteceu a passagem geracional na Poças e qual o papel da inovação. Anna Costa

“A primeira vez que apresentei ao meu pai o Vinha da Roga, ele ficou com um semblante entre o preocupado e o triste. Para ele, este não era um tinto do Douro”. O autor das frases é Manuel Joaquim Poças Pintão, quem a relata ao Terroir é o filho, Pedro Poças Pintão, e a tese acaba por ser um retrato perfeito da história dos DOC Douro, mas, também, dos caminhos que estão a ser seguidos na região.

Os portugueses perderam-se de amores pelos vinhos do Douro, mas talvez não lhes ocorra que, nesta matéria, a região nasceu ontem, pelo que, ao contrário do que acontece noutros territórios, o Douro esteve e está à procura da sua identidade, sendo certo que — só para baralhar – essa identidade talvez nunca se encontre porque o vinho é um negócio de tendências e, ainda por cima, vítima do impacto não totalmente conhecido das alterações climáticas. Neste sentido, cada região transforma-se num laboratório permanente.

Enquanto região produtora de vinhos tranquilos, o Douro nem terá 40 anos, sendo que, nos últimos dez, já se discutia como é que a região poderia contornar o peso dominante de meia dúzia de castas e as consequências das tais alterações climáticas. Em concreto, perguntava-se como é que a região poderia passar de vinhos pesados e alcoólicos para vinhos frescos e surpreendentes. Não parecia tarefa fácil.

Quem começou por mostrar, de forma consistente, que não há impossíveis no Douro, foi, claro está, Dirk Niepoort (sobre esse já se escreveu muito), mas também, mais tarde, a Real Companhia Velha, com a sua colecção Séries, que só tem dez anos de vida. No caso da Real bastou juntar na equação variáveis como riqueza de castas, heterogeneidade de solos, gente com vontade de experimentar e uma administração que sabe que é necessário tempo e dinheiro para concluir que, afinal de contas, é possível produzir vinhos com a matriz do Douro e, ainda assim, adaptados às modas.

Em 2019 foi a vez de a Poças Júnior lançar a sua colecção Fora da Série, que, segundo o CEO Pedro Pintão, tem vários objectivos. Em primeiro lugar “desinquietar o espírito de inovação em toda a equipa — não nó na gestão e na enologia —; em segundo, descobrir castas e processos enológicos que, a partir da colecção Fora da Série, possam trazer mais-valias para a nossa linha regular de DOC Douro; em terceiro, surpreender o mercado — a Poças é uma empresa tradicional do universo do vinho do Porto e estes vinhos ajudam-nos a reposicionar a empresa —; e, em quatro lugar, colaborar e participar no processo de aprendizagem e inovação na região”.

Esta história da inovação é vivida pelos trabalhadores da empresa na altura da vindima. “Recuperar lagares velhos para DOC Douro no Baixo Corgo, fazer Orange Wines, vinhos com flor ou coisas como o tinto Lagar das Quartas, com uvas brancas em co-fermentação, foi algo que despertou tanta curiosidade e expectativa a nível interno que, antes de vindima, já há quem pergunte o que é que vamos fazer de novo este ano”, refere-nos Pedro Pintão.

A Poças é aquela firma que tem um certo romantismo associado à sua história, visto que, com 104 anos, foi fundada por portugueses e nunca foi alienada – coisa única no sector. O facto de ser de média dimensão (estará no ranking das dez mais do vinho do Porto e no ranking das 20 mais em termos de DOC Douro) também forçou a administração a criar uma aura de irreverência à sua volta, como estratégia de penetração num mercado de grandes operadores e marcas solidificadas.

Ainda assim, a estratégia da Poças para os DOC Douro não passa por ganhar quota de mercado pela guerra de preços. “Esse é um campeonato que não nos interessa. No Douro, uma operação só é viável se se sustentar em preços de venda ao público no segmento médio alto e alto. Nem é por querermos que seja assim. É porque a realidade (custos de produção elevados e mão de obra inexistente) o determina. No Douro, vender vinhos a 7 euros — já nem vou para outros valores bem mais baixos – é uma operação inviável”, defende Pedro Pintão.

Passemos então a três novos vinhos da colecção Fora da Série, com a assinatura de André Barbosa, que é, digamos assim, o líder técnico desse laboratório em que se transformou a Poças. O André está na empresa para assegurar a enologia de grande volume – aquela que paga as contas —, mas, por via dos vinhos Fora da Série, diverte-se e explora novas abordagens enológicas, para a felicidade daqueles que gostam de ser surpreendidos. Estes e, quem sabe, um dia, Manuel Joaquim Poças Pintão.

P.S.: Quando Dirk Niepoort começou a trabalhar na empresa familiar fez um vinho no Douro e depois foi para a Austrália. Certo dia recebe um telefonema do pai – Rolf Niepoort – que, sem dizer bom dia ou boa tarde, dispara: “O teu vinho é uma merda, cheira muito mal”. Questões de linguagem à parte, as histórias de Rolf Niepoort e Manuel Pintão comprovam, também, que a passagem geracional nas empresas familiares no Douro — e não só — é outro factor que está a mudar a região. E bem.

Nome Poças Fora de Série Plano B 2021

Produtor Poças

Castas Rabigato e Gouveio

Região Douro

Grau alcoólico 12,2 por cento

Preço (euros) 20

Pontuação 91

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Quem for sensível à acidez tem duas hipóteses: ou passa à frente ou compra o vinho e deixa-o estar sossegado na cave nos próximos quatro anos. Esta última é a melhor solução porque ou muito nos enganamos ou vamos ter aqui um grande branco do Douro. Bebê-lo agora é mesmo pecado. De momento está fechado, com notas cítricas e acidez quanto baste, mas – e isso é que é fascinante na prova – adivinha-se-lhe um bom futuro.

Nome Poças Fora da Série Lagar das Quartas 2021

Produtor Poças

Castas Várias (tintas e brancas)

Região Douro

Grau alcoólico 12,20 por cento

Preço (euros) 20

Pontuação 93

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Outro exemplo daquilo que vai ser o novo Douro em matéria de tintos, que conta com a colaboração de uvas de diferentes castas tintas e brancas da sub-região região menos valorizada do Douro (Baixo Corgo mas também conhecida com algum sarcasmo como o Douro inferior). Notas vegetais e frutos vermelhos e de bosque são logo detectados no nariz. Na boca – como dizem os alentejanos quando querem exaltar um azeite – é fino como azeite de Moura. Muito delicado, nada extraído, pouco alcoólico e guloso. É um perigo viciante e muito gastronómico.

Nome Poças Fora da Série Nativo 2020

Produtor Poças

Castas Moscatel

Região Douro

Grau alcoólico 11,7 por cento

Preço (euros) 20

Pontuação 93

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Não é um vinho fácil de definir porque está entre um colheita tardia, um Porto e uma daquelas criações onde a flor (o véu de leveduras) acrescentou complexidade. Na realidade sente-se esse perfil oxidativo por via da flor (esteve oito meses a fermentar). Na prática, um vinho doce, mas com notas amargas e salgadas, fresco e com sensações de fruta. Para um escabeche delicado ou um patê, uma delícia.

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