Juízes não tiveram responsabilidade na fuga de Rendeiro, conclui inspector do Conselho Superior da Magistratura

É a conclusão do inspector nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura para o processo de averiguações que foi aberto.

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João Rendeiro LUSA/Luis Miguel Fonseca

Os juízes dos três processos em que o antigo presidente do BPP João Rendeiro foi julgado e condenado nos últimos anos não cometeram quaisquer infracções disciplinares, concluiu o inspector nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) no relatório do processo de averiguações. O relatório produzido pelo conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça Raul Borges terá ainda de ir a votação no conselho.

“Percorridos com a devida atenção os 128 volumes e 27.551 folhas, algumas com frente e verso, dos três processos, podemos afirmar sem qualquer dúvida que enxergado não foi o mínimo indício de responsabilidade disciplinar relativamente a qualquer dos vários juízes de Comarca, da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça”, pode ler-se nas conclusões do relatório do inspector judicial extraordinário Raul Borges, que foram conhecidas esta quinta-feira.

Mas apesar de não descortinar indícios de responsabilidade disciplinar, “há que dizer que nem tudo terá corrido da melhor forma, se bem que sem acção directa dos juízes”, escreve Raul Borges. Que explica que o julgamento em que acabou por ser condenado a dez anos de cadeia devia ter-se iniciado em 2018 mas só começou em Março de 2020, devido a dificuldades em reunir um colectivo de juízes. “Depois veio a pandemia...”, acrescenta. Mas houve mais problemas: num caso anterior em que acabou por ser sentenciado a cinco anos e oito meses de prisão, o processo demorou dois anos e quatro meses nos tribunais superiores, até regressar à primeira instância para que fosse emitido um mandado de prisão internacional, em Outubro de 2021 - já Rendeiro tinha saído do país. Em todo este período, o juiz titular do processo na primeira instância nunca foi informado do que se ia passando no Tribunal da Relação e depois no Supremo e no Constitucional.

Neste ponto o inspector deixa uma crítica: “Há que tomar devida nota de que, no caso de subida de processo a tribunal (is) superior (es), deverá ser estabelecida relação comunicacional, por forma a que o tribunal de primeira instância, a quem compete tomada de posição sobre eventual alteração do regime de medidas de coacção, tenha real e actualizado conhecimento do estado dos autos, sobretudo quando na instância superior ocorra alguma alteração no quadro processual”, preconiza. Sendo este o processo que poderia dar origem ao encarceramento mais imediato do ex-banqueiro, depois de perdido o derradeiro recurso no Constitucional, no Verão de 2021, e encontrando-se ele ainda em liberdade, cabia ao Ministério Público, se assim o tivesse entendido, propor aos juízes um agravamento das medidas de coacção, que poderia ter passado pela aplicação da pulseira electrónica, por exemplo. “Mas nada foi promovido” nesse sentido pelos procuradores, assinala Raul Borges. Cujas conclusões, no que respeita à saúde do antigo presidente do BPP, deverão agora ser entregues à Procuradoria-Geral da República, uma vez que o conselheiro não encontrou indícios nos processos que analisou de que Rendeiro tivesse algum dia padecido de problemas cardíacos.

Mas a sua defesa invocou esta patologia para pedir que o arguido seja libertado enquanto aguarda a extradição da África do Sul para Portugal. Como o PÚBLICO já noticiou, um dos dois documentos apresentados pela defesa para justificar a doença cardíaca de João Rendeiro foi assinado pelo psiquiatra João José Vasconcelos Vilas Boas - condenado a cinco anos de prisão, com pena suspensa, por ter violado no seu consultório uma paciente grávida de oito meses com depressão.

O órgão de gestão e disciplina dos juízes instaurou este processo de averiguações em 6 de Outubro de 2021, após João Rendeiro anunciar em 28 de Setembro que estava no estrangeiro e que não voltaria a Portugal, no dia em que o ex-banqueiro foi condenado no terceiro processo. Porém, já somava duas condenações noutros dois processos relacionados com o colapso do BPP, sendo que a primeira – de cinco anos e oito meses – estava prestes a transitar em julgado.

“O trânsito em julgado foi certificado no Tribunal Constitucional como se tendo por verificado em 16-09-2021, em nosso entendimento, como já expresso, de forma não correcta. De qualquer forma, nessa data já João Rendeiro se encontraria no Reino Unido, pois saiu do país em 12 de Setembro de 2021”, refere o relatório.

O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, aconteceu em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.

O BPP originou vários processos judiciais, envolvendo crimes de burla qualificada, falsificação de documentos e falsidade informática, assim outro um processo relacionado com multas aplicadas pelas autoridades de supervisão bancárias.

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