Menstruação e depilação, dois “ão-ão” que afugentam

Não estava disposta a correr o risco de ser motivo de gozo. O melhor seria ficar calada e pronto. A menstruação e a depilação pareciam-lhe dois “ão-ão” que afugentam, mas aquilo que a perturbava era não saber dizer porque é que tal acontecia.

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Natracare/Unsplash

Tinha 13 anos quando lhe veio o período, mais propriamente a escassos minutos de começarem a chegar os convidados e as convidadas para a sua festa de aniversário. Estava sentada na retrete quando olhou para as cuecas esticadas ligeiramente abaixo dos joelhos e, na parte branca de algodão, viu com espanto uma mancha rosada. Percebeu logo do que se tratava, várias colegas de escola, a mãe, as primas, e até a publicidade, tinham-na elucidado desde cedo sobre a vinda da menstruação, que parecia tão aguardada pelas adolescentes e tão maldita para as mulheres adultas.

Nunca um rapaz, um homem, familiar ou não, tinha tocado nesse assunto. Parecia que, apesar da suposta modernidade dos tempos, continuava a ser um tema de raparigas. Por instinto levou o nariz aos joelhos para sentir o cheiro da dita mancha de sangue. Nada, nenhum odor. Tinha ouvido a mãe dizer que a menstruação cheirava mal, que era preciso reforçar a higiene a partir do momento em que se tornasse uma “senhora”, mas o fluido rosado impresso no tecido não cheirava a nada; talvez por ser a primeira vez, não sabia dizer.

Pelo sim, pelo não, achou melhor lavar-se. Encheu o bidé com água morna e procurou na gaveta de produtos da mãe um penso higiénico. Teria de começar a comprar os seus, e isso, não sabia explicar porquê, enchia-a de orgulho e alegria. Na mesma gaveta deparou-se com giletes novas ainda embaladas. Pareceu-lhe bem iniciar-se também na prática da depilação porque, segundo o que sempre lhe disseram, a partir da menstruação seria “mulher”.

Imitou de memória a mãe, colocando um pé de cada vez no bidé, o direito primeiro, humedecendo com as mãos a perna toda, do tornozelo à coxa. Depois, ensaboando a perna, passou a gilete com demasiada força. A inexperiência na arte da depilação fê-la pôr a canela direita a escorrer sangue de um pequeno golpe. Assustou-se, afastando a lâmina da perna. Não fazia ideia que podia cortar-se com tanta facilidade. Não quis desistir e continuou a depilar-se, agora com maior suavidade, na parte do joelho e da coxa. Não fez mais estragos na pele, mas do pequeno golpe continuava a sair sangue. Ocorreu-lhe que tinha agora duas pequenas fontes vindas do corpo escorrendo sangue: o sexo e a pele. Não era a primeira vez que isto acontecia, os inúmeros acidentes de bicicleta já lhe tinham proporcionado, em simultâneo, hematomas e vários golpes.

Na perna esquerda também teve um pequeno deslize com a lâmina e fez um corte no gémeo. Achou por bem, depois de secar ambas as pernas ao toalhão branco e de o manchar de sangue, fazer o mesmo que o pai fazia com os deslizes da barba, recortar pequeníssimos papéis e colá-los na pele para estancar o golpe. Percebeu que nestas actividades inaugurais, o período e a depilação, tanto o pai como a mãe tinham sido fundamentais através do plágio das suas práticas.

Ouviu tocar à campainha, algum dos amigos acabara de chegar. Pensou se contaria as novidades com o mesmo à vontade a um amigo ou a uma amiga. Concluiu que não. Seria mais fácil falar com uma das amigas. Mas talvez também dissesse aos rapazes, porque não? Foi abrir a porta de casa, entraram dois amigos de longa data e cumprimentaram-na com um abraço, enquanto entoaram alto: “Parabéns, miúda!” Agora que ali estavam, certamente que as suas novidades não seriam tema de conversa. Não estava disposta a correr o risco de ser motivo de gozo. O melhor seria ficar calada e pronto. A menstruação e a depilação pareciam-lhe dois “ão-ão” que afugentam, mas aquilo que a perturbava era não saber dizer porque é que tal acontecia, a origem desse mal-estar, o motivo do desconforto.

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