Enfermeiros do SNS não vão chegar para os mais de 150 postos de vacinação em massa

Autarquias estão a tentar contornar as dificuldades, contratando enfermeiros a título excepcional ou pedindo ajuda a farmacêuticos. Task force planeia ter mais de 150 centros de vacinação em massa em todo o país.

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Rui Gaudencio

Respondendo a um apelo da task force responsável pela vacinação contra a covid-19 para aumentar a capacidade de administrar na segunda fase que arranca já em Abril, as autarquias estão a preparar a abertura de mais pontos de inoculação pelo país, mas os centros de saúde não conseguem assegurar novas equipas de enfermeiros e médicos para todos aqueles espaços. É isso que garantem ao PÚBLICO as autarquias de Lisboa, Porto, Cascais, Loures, Sintra, Gaia, que integram a lista dos concelhos mais populosos do país e onde as necessidades de aumentar a capacidade de vacinação são maiores.

Para poder passar do actual ritmo de pouco mais de 20 mil inoculações por dia para cerca de 60 mil em Abril e mais de 100 mil em Maio e Junho, a task force quer ter mais de 150 centros de vacinação em massa preparados para arrancar quando as doses começarem a chegar em grande quantidade. Mas os profissionais dos centros de saúde avisam desde já que, se os recursos humanos não forem reforçados, não será possível assegurar este ritmo de vacinação.

As normas da Direcção-Geral da Saúde obrigam a que, além dos enfermeiros que vacinam e dos administrativos que fazem as convocatórias e os agendamentos, esteja sempre presente um médico para actuar caso surjam reacções adversas, nomeadamente choques anafilácticos, lembra Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, que não acredita que os profissionais dos centros de saúde sejam suficientes para assegurar a campanha de vacinação em massa. “Começamos há três meses e ainda não conseguimos acabar a fase 1”, sublinha.

“Nos recursos humanos, já estávamos em défice antes da pandemia. Sem reforço, vai ser difícil assegurar a vacinação contra a covid-19 sem afectar a actividade assistencial normal. Os profissionais já estão a fazer horas extraordinárias para poderem vacinar, nomeadamente ao fim-de-semana”, corrobora Diogo Urjais, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar.

No passado dia 11, o coordenador da task force escreveu aos autarcas, pedindo-lhes que se preparassem para ter espaços prontos a funcionar para a vacinação em massa. As autarquias dizem ter condições logísticas para responder, mas o grande problema são os recursos humanos. Cascais, por exemplo, tem dois postos de vacinação a funcionar e prepara-se para abrir mais dois em Abril. “Queremos duplicar a capacidade de vacinação”, afirma o presidente da Câmara, Carlos Carreiras (PSD), explicando que a própria câmara está a contratar enfermeiros para os quadros da instituição (tem agora seis), contornando assim as dificuldades dos agrupamentos de centros de saúde que diz, “estão a abarrotar”. “Nós temos forma de contratar [enfermeiros] pois estamos a criar um Serviço Local de Saúde e vamos também activar um protocolo com a União das Misericórdias e a Administração Regional de Saúde”, afirma.

A Câmara de Sintra (PS), por seu lado, tem cinco postos de vacinação e em Abril está pronta para abrir mais um. Por causa da sobrecarga dos centros de saúde, já celebrou um pioneiro acordo com a Associação Nacional de Farmácias (ANF) para que farmacêuticos possam integrar as equipas de vacinação dos centros de saúde nesses postos extra. “Será uma ajuda imensa. Os farmacêuticos também podem vacinar pessoas”, explica o vereador responsável pelo Apoio ao Munícipe, Eduardo Quinta Nova, lembrando que a câmara adoptou um modelo semelhante para a vacinação da gripe dos idosos do concelho, em que um terço dessas pessoas foi vacinado por farmacêuticos e não pelos enfermeiros dos centros de saúde. “As farmácias do concelho aceitaram o desafio da Câmara Municipal de Sintra para vacinarem no centro de vacinação municipal”, confirma Duarte Santos, vogal da direcção da ANF. 

Mas entre os autarcas há queixas e insatisfação. O presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares (CDU), já abriu um posto extra de vacinação no centro de Loures e foi só um devido “à recusa” do agrupamento de centros de saúde que não lhe garantiu mais enfermeiros para um outro posto. Com a segunda fase de vacinação a aproximar-se, o autarca garante que está tudo pronto para abrir um segundo posto de vacinação em Sacavém. A bola está agora do lado do Estado central: “Temos insistido na abertura de um segundo centro e vamos continuar mesmo sem ter a perspectiva de uma segunda equipa de enfermagem”. Segundo Bernardino Soares, o agrupamento de centros de saúde da zona comunicou que será a mesma equipa a fazer a administração de vacinas no pavilhão de Loures e no de Sacavém, no futuro, o que não é solução que permita aumentar a capacidade de vacinação. Neste concelho, vive 3,5% da população a vacinar, sublinha.

Eduardo Vítor Rodrigues (PS), presidente da Câmara de Gaia, diz que já tem um posto de vacinação para a covid-19 no centro da cidade e vai abrir outro em Abril, na zona dos Carvalhos. “Vamos proceder à contratação excepcional e temporária de enfermeiros, que trabalharão sob coordenação das equipas dos centros de saúde”, explica. “Não podemos depauperar os centros de saúde, não vamos desviar enfermeiros que são necessários para dar a vacina do sarampo às crianças ou medir a tensão arterial dos idosos”, acrescenta.

Em Lisboa, por seu turno, pouco muda com a entrada na segunda fase de vacinação. Isto porque já existem 11 postos extraordinários de vacinação a funcionar: três Unidades de Saúde Familiar, sete pavilhões (incluindo o Altice Arena) e o posto de vacinação da Cidade Universitária, que abriu esta segunda-feira. Segundo Fernando Medina já anunciou, foram contratados temporariamente 60 enfermeiros para o efeito. Segundo explicou fonte oficial da autarquia ao PÚBLICO, apenas o agrupamento de centros de saúde de Lisboa Ocidental e Oeiras comunicou à autarquia ter meios suficientes para assegurar a segunda fase de vacinação. O mesmo não aconteceu com os agrupamentos dos centros de saúde de Lisboa Norte e de Lisboa Central e, por isso, a câmara fez o investimento na contratação temporária de profissionais de saúde.

Porto tem drive thru pronto e profissionais “a custo zero"

No Porto, há semanas que está tudo preparado para arrancar com o centro de vacinação em drive thru (sem sair do carro), que até já foi apresentado publicamente em Fevereiro e apenas não arrancou porque o coordenador da task force pediu então que o projecto não avançasse para não criar expectativas à população, numa altura em que as doses de vacinas escasseavam. Face a este pedido, o que o município fez foi disponibilizar duas escolas ao agrupamento de centros de saúde (ACES) do Porto Ocidental e uma tenda de recobro ao ACES do Porto Oriental. 

Mas, depois de o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo ter enviado uma nova carta, em 11 deste mês, a pedir aos autarcas para se prepararem para a vacinação em massa, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, respondeu-lhe enviando o projecto do drive thru (sem sair do carro) para operar no Queimódromo do Parque da Cidade, ao lado do drive in para testes de diagnóstico que funciona quase desde o início da pandemia.

O objectivo de vacinar 60 mil pessoas por dia - que o coordenador da task force espera conseguir já em Abril próximo - “não é alcançável com recurso aos hospitais e centros de saúde”, enfatiza Rui Moreira, argumentando que isso mesmo lhe foi confirmado pelas administrações dos hospitais de São João e de Santo António e pelos dois ACES do Porto.

Esta seria uma primeira resposta que permitiria vacinar 2.050 pessoas por dia e 61.500 pessoas num mês, sem qualquer custo para o SNS, nota. O pessoal especializado, nomeadamente enfermeiros, será garantido pelo laboratório Unilabs e o hospital de São João assegurará a certificação deste primeiro espaço - porque o município diz ter condições para pôr a funcionar outro drive thru na parte oriental da cidade e um centro de vacinação walk thru (a pé) no Palácio de Cristal. “A Câmara não tem legitimidade para contratar directamente, mas temos um privado que disponibiliza enfermeiros e médicos a custo zero para este primeiro espaço”, lembra Rui Moreira. “Em Israel e em Nova Iorque a vacinação está a ser feita neste modelo, não estamos a inventar nada”, acentua.

Há 4 mil farmacêuticos com competência para vacinar

Para poder acelerar o processo, a task force já está a estudar a possibilidade de integração dos farmacêuticos e das farmácias na campanha de vacinação em massa. Em Portugal há cerca de quatro mil farmacêuticos com competência para vacinar, estima Ema Paulino, da direcção da Ordem dos Farmacêuticos, que se reuniu no início deste mês com o coordenador da task force, que lhes pediu informação tendo em vista esta possibilidade. Estes farmacêuticos têm formação específica, que inclui suporte básico de vida. Dado que “apenas nas vacinas de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna”, há casos reportados de reacções anafilácticas, para administrar as que usam metodologia mais próxima da tradicional  (AstraZeneca e Johnson & Johnson), não é necessário que um médico esteja presente, acredita. 

Ema Paulino está também convencida de que a experiência de Sintra dificilmente será transponível para o resto do país. “Não há farmacêuticos desempregados e não vamos retirar os que estão nas farmácias para irem para centros de vacinação. Até por uma questão de capilaridade, o que faz sentido é vacinar nas farmácias que, aliás, já cumprem as premissas até porque já vacinam contra a gripe, a hepatite, o cancro do colo do útero”, lembra Ema Paulino, que dá o exemplo do Reino Unido e dos Estados Unidos onde as farmácias já colaboram no processo de vacinação contra a covid-19.

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