Líder do roubo das armas de Tancos absolvido no caso das pistolas Glock

Polícia condenado a nove anos e oito meses de cadeia por ter roubado 55 armas à PSP. Declarações de uma das principais testemunhas do caso de Tancos, “Fechaduras”, consideradas pouco credíveis.

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Agente da PSP Luís Gaiba e o seu advogado à porta do tribunal Rui Gaudêncio

O líder do roubo do material militar de Tancos, João Paulino, foi absolvido esta sexta-feira de envolvimento no furto de mais de cerca de meia centena de pistolas Glock da sede nacional da PSP, em Lisboa. Já o agente da PSP responsável pelo armeiro entre 2015 e 2017, altura em desapareceram as armas, foi sentenciado a nove anos e oito meses de cadeia. 

Ficou provado que ao longo de mais de um ano este agente foi subtraindo a pouco e pouco os estojos em que estavam guardadas as 55 Glock, juntamente com os respectivos livros de instruções, tendo recorrido ao seu amigo António Laranginha, um traficante de armas e drogas suspeito de ter participado no roubo de Tancos, para que lhas vendesse. O Ministério Público acredita que Laranginha, agora condenado a cinco anos e dez meses de cadeia efectiva, entregou por seu turno as armas roubadas do armeiro da PSP ao ex-fuzileiro João Paulino para este as vender. Mas não houve provas suficientes disso.

O testemunho de uma das figuras centrais do processo de Tancos, Paulo Lemos, conhecido como Fechaduras, não foi suficiente para convencer os magistrados da culpabilidade do ex-fuzileiro: consideraram-no pouco credível. Sucede que este homem é igualmente uma testemunha-chave no processo do furto do material militar, cujo julgamento arranca já daqui a duas semanas no Tribunal de Santarém. Passou de arguido a testemunha depois de ter denunciado João Paulino e restantes cúmplices. 

A acusação tinha imputado a Luís Gaiba os crimes de associação criminosa, tráfico de armas e branqueamento de capitais, mas os juízes do Campus da Justiça de Lisboa não consideram provado o primeiro delito. O agente da PSP ficou ainda proibido pelos juízes de exercer funções públicas durante cinco anos e de ter licença de porte de arma durante dez. O seu advogado, Santos Oliveira, já anunciou que vai recorrer da sentença, por considerar que o tribunal condenou o seu cliente com base em meras deduções, uma vez que"não existem provas materiais” da prática do crime. 

Embora cada pistola não tenha custado à polícia mais de 385 euros, no mercado negro esse valor pode sextuplicar. Porém, nenhuma destas armas - que tinham uma inscrição a dizer “Forças de Segurança” – foi encontrada na posse dos três arguidos. O paradeiro da sua esmagadora maioria continua, aliás, desconhecido: a polícia só conseguiu encontrar oito das 55 pistolas roubadas. Estavam na posse de traficantes de estupefacientes aparentemente sem ligação a Luís Gaiba.

“Esperávamos ter visto desvendado em tribunal o percurso de todas as armas”, observou o advogado Santos Oliveira. “Como é possível os investigadores não terem apurado isso?”. No final da leitura do acórdão, os juízes admitiram não estarem totalmente convencidos da inocência do líder do roubo de Tancos: “É possível que tenha estado envolvido no roubo das Glock, mas também é possível que não”. Na dúvida, manda a lei absolver o réu. 

Confrontado com algumas despesas que fez e que não lhe saíram do salário de polícia - um Audi em segunda mão pelo qual pagou 7500 euros a pronto, em dinheiro, mas também alguns electrodomésticos, um sofá e uma viagem à Madeira -, o polícia alegou que ganhava bem nas acções de formação que dava. Porém, o Ministério Público concluiu que estas formações, quase sempre viradas para a protecção pessoal e para a protecção civil em situações de catástrofe, e em várias das quais ensinava os formandos a usar armas de fogo, configuram o exercício ilegal de segurança privada.

Apesar de terem reconhecido as dificuldades que apresentou este caso a nível da chamada construção histórica da prova - determinar o que sucedeu exactamente e em que momentos precisos -, os juízes estribaram-se em indícios como as conversas cifradas que Luís Gaiba e Laranginha mantinham ao telefone e no facto de este conhecer bem a falta de controlo das armas que se encontravam à sua guarda para decidirem pela condenação. Nenhuma das pistolas roubadas estava atribuída a um agente, o que significa que quem as levou sabia que a sua falta não iria ser notada. E como foi possível o arguido não ter dado pelo seu desaparecimento dentro do próprio armeiro, quando se encontravam à vista? - interrogaram os magistrados. 

No despacho em que remeteu os arguidos para julgamento, o juiz Carlos Alexandre tinha-se mostrado perplexo perante alguns aspectos deste caso e chegou mesmo a falar na existência de um “polvo”: “Trata-se de uma matéria que mexe com a segurança dos cidadãos e a confiança na polícia. Tudo carece de ser explicado”, escreveu o magistrado.

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