Sustentabilidade do desporto em risco

Lamento ter de o afirmar, mas aquilo a que o movimento desportivo e as suas organizações assistem revela pouco cuidado e pouca atenção no meio de uma crise sem precedentes para o país e para o seu desporto.

A afirmação pública por parte da directora geral de Saúde, Graça Freitas, que no âmbito das finais da Liga dos Campeões, será positivo sermos visitados por muitos estrangeiros, num evento que supostamente é realizado sem a presença de espectadores, indicia a desorientação das autoridades públicas, que tão depressa estão a apelar à contenção na exposição ao risco, como logo a seguir fazem apelos que o agravam.

Esperar-se-ia, porventura, que fosse feito um alerta quanto aos riscos por que o país vai passar. Que não é seguro, que as vantagens de recebermos a competição tenham à partida garantido que elas não sejam superadas pelas perdas em termos sanitários. Mas, sobretudo, que se tivesse presente o país real. O país que perante as dificuldades que está a viver não está disponível para tratamentos diferenciados.

É certo que desde o início da crise nunca houve um discurso político único, coerente e consistente sobre a pandemia. Ao invés, assistiu-se a intervenções que em alguns momentos foram contraditórias. Basta recordarmos o que as autoridades de saúde disseram no início da crise. Sobre o risco do vírus. Sobre as máscaras. Sobre a desinfecção dos espaços públicos. E o que não disseram: a estagnação de uma parte significativa dos serviços públicos de saúde com adiamentos de exames, de consultas e de cirurgias.

Naturalmente que ninguém é insensível à necessidade de retoma da vida nacional, designadamente a que tem impacto económico. O que é válido para todos os sectores. Incluindo o desporto. E ninguém deve desvalorizar uma iniciativa que pode ser útil a Portugal, muito mais na dimensão económica, do que na desportiva. Mas não se pode ignorar a situação do país. O que exige dos responsáveis acrescida moderação e prudência.

Uma parte significativa do desporto nacional está parada. E as condições de retoma estão ainda muito longe de estar garantidas. E uma parte dessa garantia não reside apenas na situação sanitária que ainda vivemos, mas sobretudo no posicionamento numa escala de prioridades por parte das autoridades nacionais de saúde pública cujos critérios se ignoram. E neste posicionamento errático não é pura especulação constatar que as prioridades são definidas em função da pressão que os diferentes interesses fazem junto dos decisores políticos. O que aconteceu no Campo Pequeno e posteriormente em outros espectáculos, com a presença das mais altas figuras do Estado, só o parecem confirmar.

É certo que o país, infelizmente, tem várias velocidades. E que uns são mais importantes ou têm maior impacto reivindicativo e mediático do que outros, mesmo sendo constitucionalmente iguais. Mas não precisamos de nos atropelar, nem deixar ninguém para trás. E não precisamos de esquecer os que tendo uma voz menos audível junto dos decisores políticos têm iguais direitos aos que a têm. E a ter que se definir prioridades que elas sejam para aqueles que têm mais dificuldades e para quem a ajuda do Estado é indispensável.

A pandemia veio precipitar de um modo mais expressivo o momento de maior fragilidade que o desporto português conheceu na última década. As bases da pirâmide desportiva nacional correm o sério risco de falecerem o que requer a premente inversão desta tendência, redefinindo a concepção e percepção da importância social do desporto, mobilizando os poderes públicos e associativos para num movimento colectivo resgatarem o sector do colapso.

Antecipando sinais evidentes desta tendência têm sido ao longo do tempo apresentados ao Governo e à administração pública desportiva distintos trabalhos e propostas com origens diversas, mas todas com o objectivo de melhorar o funcionamento do sistema desportivo português através de medidas que visam colmatar as suas principais lacunas e vulnerabilidades, expostas de forma evidente nesta crise.

As respostas por parte de quem possui responsabilidades em apreciar as propostas apresentadas não é positiva. Na esmagadora maioria das situações, as propostas, documentos e estudos apresentados jazem no silêncio dos gabinetes. É como se não existissem.

De facto, não é por défice participativo do movimento desportivo que o Estado se encontra inactivo no que respeita às modificações estruturais que urgem ao modelo desportivo nacional, e cujo adiamento coloca em sério risco a sua sustentabilidade e competitividade.

Lamento ter de o afirmar, mas aquilo a que o movimento desportivo e as suas organizações assistem revela pouco cuidado e pouca atenção no meio de uma crise sem precedentes para o país e para o seu desporto.

É urgente corrigir esta situação.

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