Sarah Hegazi ergueu uma bandeira arco-íris no Egipto. O final infeliz tornou-a num símbolo

Durante um concerto no Egipto, Sarah Hegazi hasteou uma bandeira LGBTI. Foi perseguida, torturada e presa. Exilou-se no Canadá, mas não superou a depressão e acabou por tirar a própria vida. O acontecimento gerou um movimento: por todo o mundo, erguem-se bandeiras por ela.

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Quando, em 2017, Sarah Hegazi hasteou uma bandeira durante um concerto no Cairo, não imaginou que o arco-íris que erguia se fosse transformar numa nuvem cinzenta. 

Como uma mulher lésbica a viver no Egipto, onde a homossexualidade é tabu, o momento em que levantou a bandeira, fotografado por uma amiga (e que agora se tornou num símbolo internacional), foi uma espécie de libertação. Mas a janela de liberdade rapidamente se fechou — e, desencadeada pela imagem, surgiu uma onda de indignação nas redes sociais contra as bandeiras LGBTI+. 

Seguiram-se polémicas em programas televisivos de entretenimento e rusgas policiais que levaram à detenção de dezenas de pessoas homossexuais — e também de Sarah. Começava assim uma jornada marcada por tortura, violência e agressões, que terão levado a jovem de 30 anos a suicidar-se no passado sábado, 13 de Junho, no Canadá, onde estava exilada. 

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A fotografia captada no concerto DR

Era “feminista, interessada em política e uma activista queer”, descreve Malak Elkashif, antigo activista LGBTI, à CNN. Mas já antes do concerto da banda libanesa Mashrou’ Leila, Sarah começava a assumir a identidade de mulher lésbica. No concerto, sentiu-se livre: “Estava a declarar-me como sou, numa sociedade que detesta tudo aquilo que é diferente do normal”, disse à rádio alemã Deutsche Welle, citada pelo New York Times.

“Ver alguém que publicamente diz ser de esquerda, diz estar contra o estado de violência e assume ser queer fez-me ficar preocupada com ela. Mas também estava fascinada”, disse Tarek Salama, amiga de Sarah, à CNN. Para Ahmed Alaa, estudante de direito que também hasteou uma bandeira, o momento tornou-se “nos cinco minutos mais belos” da sua vida. 

Para o resto da população, contudo, o gesto foi motivo para comentários de ódio e até ameaças de morte, referiu Mostafa Fouad, advogado e amigo de Sarah. É que ainda que a homossexualidade não seja ilegal no Egipto, as pessoas LGBTI+ são normalmente sujeitas a perseguições e discriminação. Polícias infiltrados entram em apps de dating para prender homens gays; outros são presos em cafés ou na rua, com base na sua aparência.

“Como pode uma bandeira homossexual ser levantada nas puras terras do Egipto?”, perguntou um apresentador de televisão, a propósito da fotografia de Sarah no concerto. Dias depois, polícias armados foram buscá-la a casa e transportaram-na para um centro de detenção. Lá, levaram-na para um quarto onde a interrogaram, perguntando-lhe se era virgem. Mais tarde, Sarah contou em entrevistas que lhe enfiaram um pedaço de tecido na boca e a torturaram com choques eléctricos. Também a desafiaram a mostrar que a homossexualidade não é uma doença.

Mais tarde, Sarah foi levada para uma esquadra, onde foi acusada de “incitamento à devassidão”. Na sua cela, foi molestada pelas companheiras — que, disse, terão sido encorajadas pela polícia a fazê-lo. Acabou por ser transferida para uma prisão no Norte do Cairo, onde ficou em isolamento. Ao mesmo tempo, era conduzida uma das mais duras operações contra a comunidade gay do Egipto: pelo menos 75 pessoas foram acusadas de devassidão nos dias que se seguiram ao concerto. Dezenas foram sentenciadas entre um a seis anos de prisão. 

Três meses depois da sua detenção, e graças à pressão de diplomatas americanos, Sarah conseguiu sair mediante pagamento de uma fiança. Mas a perseguição não ficou por aí: foi despedida e rejeitada pela família. Acabou por mudar-se para o Canadá, país que lhe deu asilo político.

Apesar de ter mudado de país, “o Egipto e o trauma nunca a abandonaram”, escreveu Salama no Facebook. E apesar de terem acabado as perseguições, veio a depressão, o stress pós-traumático, os ataques de pânico e a solidão. Nunca deixou, contudo, o activismo de lado — basta olhar para a sua biografia no Instagram: “Supercomunista, supergay e feminista. Esmaga o patriarcado, esmaga o capitalismo.”

A sua morte gerou um movimento à escala mundial. A foto que tudo começou tem sido partilhada massivamente nas redes sociais; tributos vindos de todo o mundo foram publicados com a hashtag #RaiseTheFlagForSarah. Além da fotografia, ilustrações e palavras de ordem, ecoaram as palavras que escreveu na carta que deixou: “Ao mundo, foste muito cruel, mas eu perdoo-te.”

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