Árbitros estrangeiros na I Liga é medida prevista nos regulamentos

A APAF falou de um pedido descabido do Benfica, mas tanto os organismos de arbitragem como a FPF já mostraram, em 2016, abertura ao intercâmbio. Experiências noutros países apontam mais à formação.

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Soares Dias, árbitro FIFA, esteve na origem do pedido do Benfica por juízes estrangeiros LUSA/JOSÉ GOULÃO

Mais uma tentativa. Esta expressão permite definir o pedido de árbitros estrangeiros na Liga portuguesa, um desafio lançado pelo Benfica — e contraposto pelo FC Porto —, após o clássico do último sábado. O tema é antigo e a discussão já foi feita, estando, até, prevista nos regulamentos.

Em 2016, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), o Conselho de Arbitragem (CA) e a Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) trabalharam no desenvolvimento de uma norma regulamentar que abrisse portas aos árbitros estrangeiros na I Liga.

Actualmente, o artigo 82.º do Regulamento de Arbitragem define, entre outras determinações, que “o árbitro e árbitro assistente, inscrito na federação congénere, pode participar em competições nacionais”, “quando celebrado entre a direcção da FPF e uma federação congénere um protocolo, proposto e previamente aprovado pelo Conselho de Arbitragem, e destinado a permitir o intercâmbio de serviços em condições de igualdade”. Isto equivale a dizer que está prevista e regulamentada a negociação em torno de eventuais protocolos de intercâmbio internacional de árbitros.

Contactado pelo PÚBLICO, Luciano Gonçalves, da APAF, não quis reagir ao pedido do Benfica, mas acabaria por fazer uma declaração à SIC Notícias em que argumentou que, apesar de o regulamento permitir, esta medida é descabida. “Os nossos árbitros também apitam em outros países. Temos dos melhores árbitros da Europa. Pedir que venham estrangeiros arbitrar os nossos jogos só porque alguém está a pedir não faz qualquer sentido e é completamente descabido. Temos é de mudar mentalidades e trazer do estrangeiro os bons comportamentos”, defendeu.

Em torno desta possibilidade regulamentar, Duarte Gomes, ex-árbitro FIFA, distingue um possível programa de intercâmbio de árbitros da chamada de juízes estrangeiros como “SOS”. “Vejo a questão do intercâmbio como algo de muito positivo, porque pressupõe uma partilha de experiências a nível desportivo que é salutar e óptima para o enriquecimento de todos os agentes (…), mas o intercâmbio não pressupõe uma desconfiança sobre a seriedade, idoneidade ou competência dos árbitros. Aí estaremos a falar de outra coisa qualquer, em forma de SOS”, defendeu, à Antena 1.

Experiências no exterior

Noutros campeonatos, a presença de árbitros estrangeiros não é propriamente uma prática corrente. Os casos não são vastos, ainda que haja algumas experiências a este nível. A mais frequente vem do médio Oriente, com alguns países, como a Arábia Saudita ou o Qatar, a contratarem — e a palavra é mesmo esta — árbitros FIFA de outros campeonatos.
Artur Soares Dias e Jorge Sousa já mereceram esta honra, com a imprensa a veicular que os prémios de jogo para a presença esporádica nas Ligas árabes quadruplicaram os rendimentos dos juízes, comparativamente com o que recebem na Liga portuguesa.

A lógica mais comum, em campeonatos de baixos níveis competitivos, é, por um lado, a valia desportiva de ter os melhores árbitros do mundo e, por outro, a utilização desses juízes como formadores dos árbitros locais. Foi nessa medida que os ingleses Howard Webb e Mark Clattenburg já apitaram na Arábia Saudita, além de terem deixado a Liga inglesa em prol de cargos de chefia e coordenação na arbitragem saudita.

Clattenburg ainda regressou aos relvados em 2019, juntando-se ao sérvio Milorad Mazic, ao húngaro Viktor Kassai e ao holandês Kevin Bloom como alguns dos árbitros FIFA na Liga chinesa — também lá o objectivo era formar e desenvolver os árbitros locais.

Caso mais raro — mas não inédito — é o da contratação de árbitros estrangeiros por desconfiança nos árbitros locais, um cenário semelhante ao que se pede, agora, na I Liga. Isto aconteceu recentemente na Grécia, com o líder da arbitragem grega, o português Vítor Pereira, a contratar pontualmente árbitros como o português Jorge Sousa e o espanhol Fernández Borbalán, em virtude do ambiente de coacção que vivem os juízes helénicos (algo a que os estrangeiros estariam imunes).

Já em 2019, Brendan Rodgers, então treinador do Celtic, entrou publicamente na discussão do tema, apoiando a procura de árbitros ingleses e galeses que pudessem desenvolver a arbitragem da Escócia, um país que até tem tido vários juízes de renome no quadro FIFA, como William Collum, Robert Madden, Kevin Clancy ou John Beaton. A medida não se tornou realidade, tal como na maioria dos países.

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