Colômbia – a economia da Cultura depois de Pablo Escobar

Se olharmos para a Cultura como sector económico estratégico como fez a Colômbia e analisarmos o potencial de geração de riqueza que guarda em si mesmo, provavelmente chegamos à conclusão que poderemos fazer mais com aquilo que temos agora.

Em maio, o Departamento Administrativo Nacional de Estatística da Colômbia revelou os números do crescimento da economia no primeiro trimestre de 2019. Os dados não trouxeram grandes surpresas, pois nos últimos anos a economia colombiana obteve elevadas taxas de crescimento, figurando entre as mais dinâmicas da América Latina, com um crescimento médio anual do PIB de 4,8% ao ano, mas tinham um aspecto especialmente interessante: um dos setores mais dinâmicos da economia colombiana era o sector das “Atividades artísticas, de entretenimento e recreação”.

O papel da cultura no desenvolvimento da Colômbia foi reconhecido na Constituição de 1991 e integrado nos planos de desenvolvimento do nível municipal ao estadual, como os Planos Nacionais de Cultura de 2001-2010 e de 2010-2019 e o Plano Nacional de Desenvolvimento 2010-2014, que atestam que a Colômbia vem percorrendo um caminho consistente no sentido de uma efetiva cidadania democrática cultural.

Em paralelo, desde finais dos anos 90, a Colômbia vem construindo um caminho bem delineado de estatísticas para a cultura que permitiu obter reconhecimento no contexto latino-americano devido aos avanços nas metodologias e instrumentos de mensuração dos impactos gerados por este setor. Neste sentido foi criada em 2002 a Conta Satélite da Cultura com periodicidade anual. Os resultados demonstram que a cultura é hoje um importante contribuinte para a economia da Colômbia ilustrado na contribuição  do setor cultural para o PIB de 3,41%. Tudo indica que estamos perante uma grande revolução da cultura e das expressões artísticas no país de Pablo Escobar e que isso é traduzido em resultados.

Música, cinema, livros, arte e produtos culturais entraram na cesta de consumo dos colombianos e na oferta produtiva do país dos escritores Gabriel García Márquez, Álvaro Mutis ou Vanessa Londoño, dos artistas plásticos Fernando Botero, Oscar Murillo (um dos finalistas do Turner Prize deste ano), Mateo Lopez (finalista por duas vezes do Prémio Navigator Art on Paper) e Gabriel Serra, da cantora Shakira, mas também da Feira Internacional do Livro de Bogotá, do Festival Internacional de Poesia de Medellín, do Teatro Petra ou do Mapa Teatro de Bogotá. A cultura tornou-se mesmo um verdadeiro motor de desenvolvimento económico e transformação social e os números mostram que a transformação começou duas décadas atrás, nomeadamente com uma adaptação invulgar à digitalização que afetou as formas de produção, distribuição e consumo de música. A transformação tecnológica foi total: 98% dos municípios da Colômbia estão ligados à Internet e oito em cada dez pessoas têm acesso à rede.

Como resultado dessa revolução, Bogotá tem atualmente cerca de 70 festivais de música por ano que geram cerca de 4600 empregos. Entre eles destaque para o Estereo Picnic e o fantástico Sónar Bogotá.

A chegada da tecnologia também permitiu a implementação de novas formas de distribuição e produção de conteúdos. Hoje em dia, 20% dos conteúdos na Colômbia são produzidos in loco, constituindo um caso de estudo em termos de implementação com sucesso de uma política pública de economia cultural e criativa em que a proteção dos direitos do autor é determinante. No cinema, em resultado de uma política pública de apoio e promoção consistente no ano passado, houve um recorde de 62 milhões de espetadores, o que equivale a cerca de 170.000 espectadores por dia e 44 ​​filmes colombianos foram lançados no mercado. Nas artes cénicas, de 2012 a 2016, houve mais de 2500 espectáculos. A procura total por cultura foi de US$ 12,5 bilhões. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNTACD), as Industrias Culturais e Criativas (ICC) contribuem para o emprego na Colômbia com 5,8%. Podíamos citar dezenas de outras fontes.

Mas quais são, afinal, as causas para este boom na produção artística e cultural colombiana?

São muitas, mas uma delas é seguramente a aposta feita há cerca de duas décadas na educação e, nomeadamente, na educação artística, que é uma componente obrigatória nos currículos das crianças do ensino básico de 1.º e 2.º ciclos, desde a Lei Geral de Educação de 1994. Na Colômbia, a escola é um dos primeiros lugares onde as crianças se aproximam da aprendizagem formal da dança. Isto acontece nas aulas de dança folclórica, que constituem uma disciplina obrigatória da educação pública colombiana a partir de propostas impulsadas pelo Plan Nacional de Danza 2010-2020 em articulação com o Plan Nacional para las Artes.

Neste longo caminho, para além do anterior e do atual Presidente da República que colocaram a economia criativa no centro do debate, há dois nomes que importa destacar: Alonso Salazar, que entre 2008 e 2011 foi presidente de Câmara de Medellín e enfrentou a violência urbana espalhando nos bairros mais pobres e violentos belas bibliotecas, transportes públicos de qualidade, inovadoras escadas rolantes e escolas com ensino de artes; e Jorge Melguizo, que foi secretário de Cultura Cidadã (algo similar a vereador) também de Medellín, entre 2005 a 2009, e depois secretário do Desenvolvimento Social, entre 2009 e 2010, e contribuiu para que Medellín seja hoje considerada das cidades mais inovadoras do mundo. Para isso terá contribuído o facto de se ter reduzido em pouco mais de 20 anos o índice de homicídios violentos em 95%, passando o investimento em Cultura de 0,6% para 5% – o equivalente a 60 milhões de dólares na altura da gestão de Salazar e Melguizo  e, em educação, de 12% para 40%.

Foram estas algumas das sementes que permitiram que o objetivo do recente Plano Nacional de Desenvolvimento seja que o impulso da economia do país através da Economia Criativa passe de um valor agregado no setor de 2,9 este ano para 5,1% em 2022.

Em Portugal, também existe a Conta Satélite da Cultura, múltiplos estudos que realçam a importância da cultura no desenvolvimento do país (nomeadamente este, coordenado por Augusto Mateus, ou este, coordenado por Ricardo Paes Mamede e Pedro Adão e Silva), mas a verdade é que as famílias portuguesas gastam apenas 6,3% do seu orçamento em atividades de lazer e cultura, abaixo dos 8,5% que, em média, os europeus gastam. Em 2017, cada português gastou num ano apenas 800 euros em lazer e cultura (dados do Eurostat para 2017). Por outro lado, a despesa total consolidada das entidades do Programa Cultura, de acordo com o Relatório do Orçamento do Estado para 2019, é de 501,3 milhões de euros, o que representa cerca de 0,65% do total em despesa orçamentada nas várias áreas de governação. Em relação ao PIB, a Cultura não chega a representar 0,5%.

De acordo com a Conta Satélite da Cultura de 2015 (não há dados mais actualizados...), o sector das indústrias culturais e criativas valia, em Portugal, 1,7% do PIB, representando 2% do emprego nacional, com profissionais caracterizados pela sua elevada formação (17% com habilitações de nível elevado) e juventude (38% entre 25 e 36 anos) e apresentando taxas de crescimento anuais na ordem dos 3%. Em termos do número de entidades abrangidas, destacava-se o domínio cultural das Artes do espetáculo, que concentrava perto de 1/3 do total. Em termos de VAB e Emprego, com pesos relativos de 33,2% e 36,6%, respetivamente, evidenciava-se o domínio Livros e publicações, seguido pelo domínio Audiovisual e multimédia (22,6% e 11,7%, pela mesma ordem).

As discussões em torno do financiamento da Cultura em Portugal centram-se em geral na reivindicação que o Orçamento do Estado contemple 1% para este sector. É evidente que é pertinente, razoável, justo. Mas se olharmos para a Cultura como sector económico estratégico como fez a Colômbia e analisarmos o potencial de geração de riqueza que guarda em si mesmo, provavelmente chegamos à conclusão que poderemos fazer mais com aquilo que temos agora.

Olhar para o potencial de mais geração de receita faz parte das reflexões de governantes mas também de gestores culturais e profissionais do sector.

No último ano, foi lançado o importante Plano Nacional das Artes, que caso disponha dos meios necessários, decerto contribuirá para, a longo prazo, mudarmos alguns dos paradigmas do nosso país. Mas há muita coisa que podemos fazer já e a Colômbia é uma boa inspiração.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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