Remco Evenepoel: um “novo Eddie Merckx” rodeado de histeria

Em pouco mais de um ano, passou de um promissor e jovem futebolista belga para o grande prodígio do ciclismo mundial. Neste fim-de-semana, já mostrou um pouco do que pode fazer ao nível World Tour.

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Remco Evenepoel é a “next big thing” do ciclismo internacional, quiçá do desporto mundial. Um caso de talento raro e precoce, a um nível que até roça o bizarro: é que a nova grande coqueluche do ciclismo começou por ser um talentoso futebolista - chegou, inclusivamente, a ser internacional e capitão das selecções jovens da Bélgica, como jogador do Anderlecht -, mas, em 2017, “chateou-se” com o futebol. Evenepoel montou-se nas bicicletas e, em pouco mais de um ano, passou de um promissor médio belga para a grande promessa do ciclismo mundial. Um “novo Eddie Merckx”, aponta-se a um rapaz que já foi apelidado de “aberração genética”, tais são os índices que consegue alcançar em testes físicos.

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Evenepoel é o número 5, capitão de equipa. DR

Evenepoel tem, aos 19 anos, a missão hercúlea de justificar um “fardo” pesado e um “cartão-de-visita” audaz: é comparado àquele que é, para muitos, o melhor ciclista de sempre, que dominou a modalidade nas décadas de 60 e 70. O próprio Merckx já se deixou convencer: “Evenepoel pode vir a ser melhor do que eu. Este rapaz faz tudo. Olhem para ele: é bom no contra-relógio e ultrapassa toda a gente nas montanhas”, apontou.

Ao PÚBLICO, o jornalista e comentador francês Olivier Bonamici, da Eurosport, especialista em ciclismo, explica que Evenepoel é um exemplar único. “Mais do que a idade precoce, o que é mais incrível é o domínio que ele teve nas categorias de formação. Não me recordo de alguém espantar o mundo inteiro desta forma nas categorias jovens”, sustenta, recordando “a maneira espectacular como venceu nos Mundiais e nos Europeus”, sagrando-se campeão de estrada e de contra-relógio nas duas competições.

O domínio não foi apenas no número de vitórias, mas também na forma como foram obtidas. Nos Europeus de juniores, Evenepoel deixou o companheiro de fuga na terceira das 11 voltas e chegou com dez minutos (!) de vantagem, depois de ter passado 100 quilómetros a pedalar sozinho.

Mais tarde, nos Mundiais de Innsbruck, na Áustria, perdeu cerca de dois minutos para a frente da corrida, após uma queda, mas não só perseguiu até recuperar toda a desvantagem como atacou os rivais e chegou à meta com vantagem suficiente para parar, pegar na bicicleta e terminar a corrida a pé, “à Phillipe Gilbert”, com o “veículo” na mão.

Histeria completa na Bélgica

Da Bélgica têm saído, sobretudo, ciclistas fortes em clássicas e em provas de uma semana. Tom Boonen, Gilbert ou Jasper Stuyven são bons exemplos, num país parco em corredores de “grandes voltas” (Thomas de Gendt e Van den Broeck apareceram a espaços).

Questionado sobre se o rótulo de “novo Eddie Merckx” é justo ou se advém de uma “ânsia” belga de ter um corredor forte para vencer o Tour, o Giro ou a Vuelta, Olivier Bonamici mostra-se dividido. “Justifica-se pelo potencial que tem para ser um enorme ciclista”, começa por dizer, acrescentando: “Há uma histeria completa, na Bélgica. A dúvida é perceber como é que o Evenepoel vai gerir essa histeria e a comparação com Merckx, que lhe coloca muita pressão”.

A referida “histeria” tem várias ramificações: a juventude, a margem de progressão, os resultados ímpares no ciclismo jovem e até o facto de Evenepoel se mostrar um ciclista capaz de fazer a diferença nas várias vertentes do ciclismo.

Olivier Bonamici acredita que o belga “se pode tornar num novo Peter Sagan”, capaz de vencer clássicas e dominar a “média montanha”, mas também pode seguir o trilho de Merckx. “Talvez tirando [Vincenzo] Nibali, poucos ganharam clássicas e grandes voltas”, nota.

Para ser como Eddie Merckx, Evenepoel tem de ser capaz disso e de evoluir na alta montanha, como fez Tom Dumoulin, por exemplo. “Ele tem o potencial para brilhar em todos os terrenos”, explica o comentador, alertando que “é muito difícil passar de ciclista de clássicas para “voltista”, até por questões relacionadas com o peso.

Não desiludiu em San Juan

Remco Evenepoel será, por enquanto, uma aposta para clássicas e corridas de uma semana. Foi “caçado” pela Quick-Step, uma das grandes equipas do World Tour, que pretende ter Evenepoel presente numa “grande volta” apenas em 2021.

Olivier Bonamici concorda com o plano da equipa: “Ele escolheu a equipa certa e eles vão preparar a temporada dele e não a carreira. Não seria grande ideia colocar já o Evenepoel numa grande volta (…) e quando lá chegar ainda terá de aceitar que não será o chefe-de-fila. Tal como o Egan Bernal, que já poderia ter feito resultados melhores se não trabalhasse para Froome e Thomas, na Sky. É esse o processo”.

O início de aventura de Evenepoel, no World Tour, não decepcionou. A Quick-Step levou-o à Volta a San Juan, na Argentina, e o belga venceu uma camisola. Chegou, viu e fez o mesmo que já tinha feito na chegada ao ciclismo jovem: venceu. Ainda que não tenha dado para conquistar a classificação geral, Evenepoel fez top-10, arrecadando a camisola verde, destinada ao melhor jovem.

Já na última semana, o jovem belga foi “atirado às feras”: na estreia em provas World Tour, terminou num tremendo quarto lugar na Volta à Turquia, com apenas 19 anos.

O “fardo” de “novo Eddie Merckx” é pesado, mas Evenepoel parece estar, para já, a aguentá-lo bem. De futebolista a ciclista foi um pequeno (e aparentemente simples) passo, mas de Remco Evenepoel a Eddie Merckx o desafio será bem maior.

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