Tony Laureano, 16 anos: o “futuro do surf de ondas grandes” é português

Começou a surfar aos oito anos, já desceu uma onda com mais de 12 metros: Tony Laureano é o “prodígio” da Nazaré. Ele e os pais sabem que ali “tudo pode correr bem” e “tudo pode correr mal”.

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"Norte, Norte, Norte, atenção atrás. Caiu, está à tua frente. Está bem, ele está bem”. António caiu, está no meio da rebentação. Atrás dele, um conjunto de ondas começa a compor-se. Com as indicações do spotter, Ramon, o pai de António, aos comandos da mota de água, consegue resgatar o filho.

Ainda não é tempo de desistir. António volta ao local onde as ondas se formam. Começa a remar, apanha uma onda e finaliza-a sem cair. Do lado de fora, enquanto observa do farol da Nazaré e comunica via rádio com o piloto da mota de água, o spotter (ou o “homem do rádio”, como lhe chamam, que vigia as ondas que se aproximam e dá indicações a quem está na água), José Sales exclama: “Grande onda!”. Está orgulhoso.

António Laureano, ou “Tony” como é conhecido, tem 16 anos: é o mais novo surfista das ondas gigantes da Praia do Norte, na Nazaré. Quando o vê surfar, José Sales esquece-se que é “apenas um miúdo”. António é um “miúdo”, mas também um verdadeiro “profissional”, um “fora de série”, diz quem o conhece. Aos elogios junta-se um crescente reconhecimento internacional: esta é já a segunda temporada consecutiva em que Tony Laureano é nomeado para os prémios de ondas grandes a nível mundial (os XXL Big Wave Awards) na categoria de maior onda.

Na “parede dos surfistas”, uma espécie de “passeio da fama” do Forte de S. Miguel Arcanjo, na Nazaré, António também já teve direito a uma prancha, ao lado de alguns dos melhores surfistas internacionais de ondas grandes, como o norte-americano Garrett McNamara, o brasileiro Rodrigo Koxa, o português Hugo Vau e a brasileira Maya Gabeira. Alguns deles “olham para ele como um prodígio das ondas grandes”, sublinha Ramon.

“Tony” acredita que o seu futuro está aqui: “surfar ondas grandes na Nazaré foi uma das melhores coisas que me aconteceu até hoje porque é algo que me completa. Hoje em dia, sem as ondas da Nazaré já não me sinto completo.”

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A onda de Tony Laureano, surfada em Outubro do ano passado, na Nazaré, candidata aos Big Wave Awards 2018 Rafael G. Riancho/World Surf League

"Medo, adrenalina e felicidade"

Numa segunda-feira de Dezembro, o ponteiro marcava 7h36 e António Laureano já estava a observar o estado do mar junto ao farol da Nazaré.

António começou a surfar “a sério” aos oito anos. Do seu grupo de amigos, conta, “era o único que sempre que o mar estava maior ou com mais força tinha vontade de ir para dentro de água”.

Aos 12 anos, começou a ir para o mar da Nazaré, acompanhado pelo pai. “Fomos fazer uma surfada e ele veio comigo só para ver de perto. Mas quando me apercebi ele já estava remando o pico. Acho que foi a partir dali que o bichinho foi despertando”, explica o pai, Ramon Laureano, nascido no Brasil. Há cerca de 20 anos, Ramon rumou a Portugal em busca das ondas grandes.

Quando surfou pela primeira vez uma onda grande, António sentiu “uma mistura de medo, adrenalina e felicidade”. Ainda hoje, é o que continua a sentir sempre que vem para a Nazaré, “independentemente do tamanho”. “Surfar na Nazaré é completamente diferente de surfar nos outros sítios porque entramos para a água mais apreensivos do que numa surfada normal.”

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A maior onda que já apanhou na Nazaré teria entre os 12 e os 15 metros.

Um RoboCop no mar

À volta de “Tony”, montou-se uma espécie de empresa familiar. O pai conduz a mota de água que o leva para as ondas gigantes – e o resgata quando cai. A mãe observa as surfadas a partir de terra e contacta, por walkie talkie, com Ramon. A segurança é um assunto sério na Praia do Norte.

A empresa de Ramon garante a segurança a surfistas de ondas grandes e dá formações de salvamento a entidades locais. Foi com a ajuda de Ramon que o município da Nazaré criou um plano integrado de segurança no mar. A empresa é também uma forma de apoiar António, não só ao nível da segurança no mar, mas também financeiramente. A família vive na Ericeira, onde os pais trabalham, mas desloca-se “com regularidade” à Nazaré, onde fica alojada no centro de alto rendimento construído pelo município.

Os portões do armazém da empresa, no porto da Nazaré, abrem-se. O espaço guarda duas motas de água, pranchas de surf, coletes e fatos, de diversas cores e tamanhos, parafusos para aparafusar quilhas, ceras para encerar pranchas. Uma pequena oficina do surf.

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António equipa-se. Primeiro, um colete por baixo, depois um fato preto com enchimentos e, por fim, um fato principal de neoprene, cor verde alface, para proteger do frio e permitir uma maior flutuação. Vai para a água “a parecer o RoboCop”.

Do farol da Praia do Norte avista-se uma mota de água e uma pequena figura: é António e o pai, Ramon. Na arriba e no farol, dezenas de pessoas e fotógrafos observam.

Os pais, que assistem aos treinos sempre que podem, garantem que a base está na estrutura familiar. “A mãe é mais emotiva, o pai mais técnico. E ele precisa dos dois”, explica Ramon Laureano. “Quando está o pilar todo ao redor, ele fica mais confiante e sente-se mais à vontade [no mar].”

António concorda que o apoio da família é essencial. “Do meu pai porque tem a estrutura necessária e, muitas vezes, falta ao trabalho para poder estar aqui comigo. E, sem dúvida, da minha mãe porque não são todas as mães que deixam os filhos surfar aqui na Nazaré”, admite.

Os pais não escapam a acusações de irresponsabilidade. “Sou muitas vezes confrontado com a situação de ter um filho de 16 anos nas ondas grandes e com o porquê de o deixar correr esse risco, mas prefiro mil vezes que o meu filho esteja a surfar do que [viciado] na droga e a correr riscos piores”, defende Ramon.

"Tudo pode correr bem, como tudo pode correr mal"

Porque as ondas grandes não escolhem dias, nem sempre é fácil conciliar a escola com o desporto. “Ele consegue manter as notas, mas é complicado justificar as faltas porque os protocolos que as escolas têm são com as federações e para alta competição e o António não encaixa na alta competição porque o que ele faz é ondas grandes”, afirma Ramon.

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"É muito complicado” até porque depois tem “o dobro do trabalho, com muitas noites em claro a tentar apanhar a matéria”, diz Tony. Mas vai conseguindo conciliar ambos porque, segundo a família, é muito “focado” e “empenhado” em tudo o que faz.

"É desportista e quer ter uma vida saudável porque quer atingir um objectivo”, sublinha o pai. Além do treino físico e de apneia que faz regularmente, “só pensa em acordar cedo e treinar (...), está sempre a ver as tabelas das marés e as condições do mar para poder ir surfar”, acrescenta Susana.

Aquela que Susana classifica como a “loucura das ondas grandes” é ainda uma forma de pai e filho superarem o medo, escaparem ao quotidiano e “desafiarem os limites”. Com um bónus: incutir em António valores como o respeito, a humildade e “pés no chão”.

Apesar de já ter tido sustos na Nazaré (um dos quais lhe valeu uma lesão, em Janeiro de 2018), a melhor recordação que António guarda continua a ser de todas as vezes que finaliza uma onda na praia do Norte. Acredita que estes episódios de maior aflição também são importantes para se preparar. “É preciso levar mocada, cair e levar com algumas ondas na cabeça”, resume.

João Guedes, ex-campeão nacional de surf, outra cara conhecida da Nazaré, não tem dúvidas que aquele mar é, “ao mesmo tempo, um dos lugares mais perigosos para surfar, mas também um dos melhores campos de treino ao nível mundial”. José Sales acrescenta: “Ondas com dois metros aqui têm uma força que não têm em mais lado nenhum.”

Surfar na Nazaré em poucas palavras? “Sabemos que tudo pode correr bem, como tudo pode correr mal”, diz Tony. “Num mar normal estamos focados em finalizar uma manobra e na Nazaré estamos focados em apanhar a maior onda do dia.”

A preocupação da comunidade surfista também é maior com António. “Estão sempre de olho nele quando estão dentro da água, o próprio McNamara está sempre preocupado com ele. Mas depois também há outros que chegam aqui e para eles é só mais um surfista incomodando na água”, diz Ramon.

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“Conchinha” já sonha com as ondas

Foi do “grande ‘Twiggy’ Baker” – outrora campeão mundial e primeiro lugar na etapa da Nazaré do Big Wave Tour 2018 – que recebeu o melhor elogio. “Ele viu-me a remar e a apanhar uma das maiores ondas do dia e veio ter comigo e disse que eu era o futuro do surf de ondas grandes”, diz Tony, sorridente.

João Guedes também não tem dúvidas. “Tendo em conta a idade dele, a coragem e a maturidade que apresenta para este tipo de surf são fora do normal. Depois, o facto de ele ter crescido e de viver muito este ambiente acaba por ser uma vantagem”, diz o surfista portuense. É “um fora de série a quem ninguém se pode comparar”.

A única limitação de António poderá ser a estrutura física, visto que “é um miúdo e o corpo ainda não tem a mesma força nem as mesmas resistências que um adulto”.

Para evoluir na carreira, o surfista de 16 anos gostaria de viajar e surfar noutros sítios. Lamenta que os estrangeiros tenham mais reconhecimento e facilidade de obter patrocínios do que os próprios portugueses. No futuro, o grande objectivo é competir no Big Wave Tour, o campeonato de ondas grandes, e surfar em Mavericks (Califórnia), algo que idealiza desde criança.

Susana acredita “piamente” que o futuro do filho será equiparável ao tamanho das ondas que surfa: “gigante”. E, apesar de “miúdo”, “Tony” já inspira outros mais miúdos do que ele. “Conchinha”, a irmã, tem seis anos e já sonha: “Daqui a dois anos também posso surfar.”

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