Slava é português, pintor da construção e esteve com um pé no Benfica

A diáspora de um moldavo que viajou até Sochi para ver a selecção e Cristiano Ronaldo. Ex-guarda-redes de futsal, já defrontou Ricardinho ao serviço da Moldávia.

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Slava (à direita) durante uma acção do curso de treinadores de futsal DR

Fala um português perfeito, mesmo os “ãos” e os sons mais sibilantes, mas as suas feições são reconhecidamente do Leste europeu. Chama-se Slava Starostenco e esta é a história de um moldavo, pintor da construção civil em Londres, que esteve para ser guarda-redes de futsal do Benfica quando morava em Portimão. Veio a Sochi ver “a sua” selecção empatar com a Espanha e quer um dia reencontrar Ricardinho.

As mãos tremem-lhe quando tira da carteira o cartão de cidadão português. Não foi fácil consegui-lo. Aos 41 anos, Slava prossegue uma diáspora que começou em 2000 quando abandonou uma pobre Chisinau, capital da Moldávia, onde o ordenado médio não chegava aos 300 euros, cruzando a Europa até Lisboa. Trabalhou na construção civil até a crise o levar a Palma de Maiorca e a Londres, com uma passagem pela Sibéria.

Em Lisboa tornou-se servente da construção civil e tentou conciliar o trabalho com a sua grande paixão, o futsal. Encontrou na Cova da Piedade um local para se treinar, fazendo diariamente os trajectos entre as duas margens do Tejo. Em três meses começou a falar português e o desporto ajudou bastante. Uma prática que manteve mais a sério quando se mudou para Portimão, em Novembro de 2001. Vivia perto do parque de campismo de Ferragudo.

“Um dia estava a disputar um torneio em Alcabideche e apareceu um responsável do Benfica. Ficou muito surpreendido pela forma como jogava como guarda-redes avançado e convidou-me para treinar dois dias no clube”, conta no final de um jantar num restaurante da localidade de Khosta, distrito da região de Sochi. O caso valeu uma notícia num jornal moldavo que exibe no telemóvel.

Com o título “Benfica de olho em guarda-redes moldavo”, o repórter relata com entusiasmo o sucedido. “Após o final do torneio, o intransponível guarda-redes da selecção da Moldávia [que representou durante as qualificações para o Euro 2015, tendo defrontado Portugal e reencontrado Ricardinho] foi convidado para estagiar na equipa de futsal do Benfica.” Slava contou como a direcção “encarnada” tratara da logística: “Ajudou-me com a habitação e recebia dinheiro para as despesas.”

“Conheci o Ricardinho [ex-jogador do Benfica que soma cinco prémios de melhor do mundo] no primeiro treino físico”, lembra com alguma vaidade. E quem é o melhor: Ronaldo ou Ricardinho? “O Ricardinho brincava com Ronaldo numa partida de futsal”, responde a rir, reconhecendo que as modalidades são diferentes: “Para o Ronaldo seria complicado jogar num campo com as dimensões do futsal. Seria mais fácil a Ricardinho ser bom a praticar futebol.”

Voltaria a ver Ricardinho, então como adversário, no tal jogo de qualificação para o Euro 2015, disputado em Andorra. Apesar da pesada derrota por 6-1, Starostenco tem a boa memória de ter sido reconhecido pelo genial jogador português. “Fiz os últimos cinco minutos do encontro, mas ele só reparou em mim quando tirei a camisola da selecção e exibi outra que tinha escrito Pastelaria Maria do Carmo [Portimão], que foi quem me patrocinou a viagem”.

No final do segundo dia à experiência perguntaram-lhe quanto pretenderia ganhar para ficar no clube da Luz, já que tinham outros dois candidatos para o lugar. Respondeu que queria apenas jogar. Tudo estava encaminhado para a vida de Slava se transformar radicalmente, quando surgiu a questão da nacionalidade. “Ainda se contactou o SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras] para resolver a situação, mas não foi possível. Não tinham mais lugares para estrangeiros na equipa.”

Regressou a Portimão desolado, mas continuou a disputar torneios no Algarve, onde se tornou conhecido dos amantes da modalidade. Mas a crise financeira de 2008 teve graves repercussões em Portugal e na vida do moldavo. “Tinha-me especializado como pintor da construção, mas deixou de haver trabalho.”

Em 2009 surge a notícia que esperava há anos: conseguira a nacionalidade portuguesa. Já como cidadão da União Europeia faz as malas e tenta a sorte em Palma de Maiorca. Não gostou particularmente no início, mas acabou por integrar-se. Numa das visitas regulares à Moldávia ouviu falar de uma cidade petrolífera russa no meio da Sibéria ocidental em franco crescimento e rumou para leste.

Em Surgut, localidade com 300 mil habitantes, esteve apenas dois meses, a convite de um amigo, mas depois de viver nos climas amenos do sul europeu não se adaptou. Regressou a Espanha e em Outubro de 2016 decidiu rumar a Londres, onde vive actualmente. “Em Londres é como em Lisboa. Tenho de fazer longas distâncias para trabalhar e treinar.” Está a dar os primeiros passos para formar uma equipa, enquanto tira um curso para treinadores na Moldávia.

Quando soube do sorteio do Mundial comprou um bilhete para o Portugal-Espanha e uma passagem de ida e volta para Sochi — onde tem amigos —, com escala na Letónia. O jogo pagou-lhe o esforço e compensou uma despesa significativa para os seus rendimentos. “Tinha de apoiar Portugal, sou português!”

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