Portugal-Espanha à lupa: A grandeza de Ronaldo para além dos golos

O Laboratório de Perícia no Desporto da Faculdade de Motricidade Humana analisou o jogo Portugal-Espanha com base nos dados fornecidos pela InStat. Esta informação permite calcular a rede de acções que liga os jogadores de cada equipa.

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Portugal iniciou o jogo com um posicionamento 1-4-4-2 frente a uma Espanha com um posicionamento 1-4-5-1. A rede de acções mostra maior ligação entre os jogadores de Espanha, devido ao maior número de passes efectuados (727 passes, com eficácia de 93%, enquanto Portugal registou 366 passes com 87% de eficácia). A rede de acções da equipa espanhola, com uma densidade cerca de três vezes superior à portuguesa, estabelece-se entre os jogadores mais recuados. Sérgio Ramos foi o jogador que mais circulou a bola com 98% de eficácia.

Já Portugal apresentou uma rede de acções mais heterogénea, que se destaca pelas ligações pelo corredor esquerdo, com Raphaël Guerreiro a ser o jogador que mais circulou a bola, com 83% de eficácia. Ambas as equipas percorreram uma distância no campo equivalente (102 e 103km), embora Espanha tivesse a bola 61% do tempo. Contudo, a “equipa das quinas” foi a mais eficaz se observarmos as estatísticas de ambas as selecções: Espanha teve 12 oportunidades de remate à baliza para 8 de Portugal; mas, Portugal recuperou 36 bolas, ao passo que Espanha realizou 28 recuperações de bola. Com o jogo a terminar empatado a três golos, Portugal foi mais eficaz.

Passemos ao processo desta eficácia. William Carvalho e João Moutinho apresentaram-se como referências de construção do jogo em zona central. Até ao primeiro golo do jogo, os dois jogadores foram particularmente activos e dominantes a procurar de forma repetida variações de corredor. Após o golo de Cristiano Ronaldo aos 4’, Espanha dominou através de um jogo combinativo (tiki-taka) de elevada eficácia, espelhado na elevada densidade e reciprocidade das ligações, visíveis na sua rede.

Espanha construiu o ataque a partir de três jogadores, com o médio Busquets posicionado em frente dos defesas-centrais, e depois a subir para uma zona central. Iniesta e Koke jogaram pelos corredores laterais e à frente da linha média portuguesa. O corredor esquerdo do ataque espanhol esteve na origem da maioria dos problemas defensivos que Portugal enfrentou na primeira parte, pela forte dinâmica apresentada.

Este jogo combinativo conseguia desorganizar as linhas média e defensiva de Portugal, o que permitiu a Espanha jogar entre linhas enquanto atacava e criar várias oportunidades de golo. Diego Costa, autor de dois golos, atraía os defesas, deixando livres um ou dois jogadores espanhóis à entrada da área, que recuperavam a segunda bola, como aconteceu com o golo de Nacho. Isco e Iniesta efectuaram trocas posicionais frequentes, em que quando o primeiro recuava no campo para iniciar a construção, Iniesta ocupava o seu posicionamento no espaço entre-linhas. De acrescentar que o posicionamento de Diego Costa, a servir de apoio frontal, de costas para a baliza, bem como a proximidade de Jordi Alba, permitiu criar espaços e situações de finalização.

Portugal esteve na primeira parte em organização defensiva, aproveitando as oportunidades que surgiam para sair em contra-ataque. Quando recuperava a bola, a equipa portuguesa procurou dar profundidade ao jogo, com ligações directas a Cristiano Ronaldo ou a Gonçalo Guedes. Veja-se a ligação entre Rui Patrício e Ronaldo, como exemplo de jogadas que tendiam a envolver R. Guerreiro, Bruno Fernandes e Bernardo Silva na acção de contra-ataque. É após uma jogada de contra-ataque de Portugal que Espanha chega ao empate. Foi um passe longo para Diego Costa que, em inferioridade numérica, marca golo, aos 24’. Portugal coloca-se novamente em vantagem aos 44’ por Ronaldo, após passe longo para Gonçalo Guedes.

Na segunda parte do jogo, o posicionamento ofensivo de Isco passou a apresentar uma maior liberdade de movimentos, abrindo o jogo em ambos os corredores laterais, especialmente o corredor direito. É nesta sequência que Espanha empata o jogo aos 55’, de novo por Diego Costa, após um pontapé livre ao segundo poste, em que a defesa portuguesa não manteve o alinhamento com o jogador que disputava a bola no ar. Apenas três minutos depois, Espanha coloca-se em vantagem com um golo de Nacho, que levou a reposicionamentos na equipa espanhola, com Busquets e Koke a alternarem no espaço entre as linhas defensiva e média.

A equipa portuguesa subiu a primeira linha de pressão e aumentou a intensidade defensiva, o que contribuiu para um jogo mais distribuído. Este aspecto é de destacar, já que Portugal realizou várias situações ofensivas bem sucedidas, através de combinações de Moutinho, Ronaldo e R. Guerreiro, maioritariamente pelo lado esquerdo, que conduziu ao livre marcado por Ronaldo e que levou ao golo do empate. Sublinhe-se que Ronaldo estabeleceu ligações com os colegas de equipa, nomeadamente no apoio a G. Guedes.

Informação técnica: Na rede de acções, o “tamanho” que ilustra cada jogador é definido pelo número de interações (tais como passes, lançamentos, cruzamentos) com outros jogadores. A cor vermelha é a que indica maior precisão nas acções, diminuindo a escala para laranja, amarelo, e verde (menor precisão). A “largura” de cada ligação (seta), que só aparece se for igual ou superior a 5, aumenta em função do número de acções realizadas entre os jogadores dessa ligação. A rede de acções permite calcular indicadores de desempenho colectivo da equipa:  a centralização apresenta o quanto as acções são distribuídas pelos jogadores (0% de centralização), ou acumuladas por um só jogador (100%); a reciprocidade é uma medida que sintetiza o quanto cada jogador passa e recebe a bola de outro jogador (e.g., se um jogador só passa a bola a um jogador e não a recebe desse jogador tem pouca reciprocidade); a heterogeneidade indica como a “largura” das ligações foi distribuída entre jogadores, portanto se há uns muito ativos e outros pouco participativos então há maior heterogeneidade; e a densidade mostra a quantidade de cooperação entre jogadores. A análise da rede de cada equipa implica que se incluam todos os jogadores, incluindo os substituídos. Porém, jogadores que não tenham realizado ou recebido um mínimo de 5 passes aparecem sem ligações, para que a rede apresente apenas as ligações mais estáveis na dinâmica da equipa neste jogo.

Portugal: densidade 0,13; centralização 0,57; reciprocidade 0,60; heterogeneidade 0,76

Espanha: densidade 0,31; centralização 0,59; reciprocidade 0,77; heterogeneidade 0,66

Duarte Araújo, José Maria Pratas, Rui Freitas, Rui J. Lopes

Laboratório de Perícia no Desporto da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa; e ISCTE-IUL. Dados fornecidos por InStat.

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