Emigrar para o Brasil sem data de regresso

Querem aproveitar o "boom" económico brasileiro - pelo menos enquanto dura. São jovens engenheiros, estudantes, arquitectos e empresários que partem em busca de uma oportunidade mas que não sabem quando voltam

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Pedro Cunha

Aproveitar a oportunidade enquanto dura e seguir as tendências do mercado de trabalho são os objectivos dos emigrantes portugueses que chegam ao Brasil sem data marcada para voltar à terra natal. Os motivos para a indefinição, no entanto, são diferentes: há portugueses que decidiram estabelecer-se no Brasil, existem os que querem voltar logo que for possível e ainda os que deixam a decisão para mais tarde.

“Vou estar aqui tanto tempo quanto queira e faça sentido. Mudamos tanto que, invariavelmente, esses prazos e metas não se cumprem”, afirma Ricardo Croner Bastos, 32 anos, engenheiro e gerente de negócios de uma empresa de marketing digital. Bastos desembarcou no Brasil em Junho de 2011, após passar um período em Setúbal, onde terminou o MBA da Imperial College Business School, que havia começado em Londres. Antes disso, também trabalhou na Alemanha. “Quando estava em Portugal, na minha casa, pensei em ficar. Mas a crise instalada no país espanta essa vontade”, conta.

O arquitecto Marcos Abreu, 28 anos, saiu do Porto e chegou ao Brasil há cerca de um mês, mas já traça uma meta temporal para o seu regresso. “Penso em ficar uns dois, três anos, até a situação em Portugal melhorar”, conta. Ao mesmo tempo, Abreu realça que tem um “desafio novo” em São Paulo, pois vai assumir a coordenação de projectos e os rumos profissionais podem tornar uma ideia definida em algo incerto: “Só o futuro me dirá”, completa.

Já empresário Miguel Gonçalves Português de Assis, 33 anos, quer fincar raízes no país. Sócio do irmão numa empresa que organiza eventos internacionais, mudou-se para São Paulo em Julho, com a mulher, para abrir uma nova sede do negócio. Sem pensar em voltar para Portugal, Assis diz esperar ter filhos no país. “O Brasil é um país que agora sorri para pessoas empreendedoras, mas elas têm de trabalhar bastante”, afirma. 

Para ajudar os compatriotas a enfrentar a falta de informação e a burocracia brasileiras, criou o grupo “Nova Geração de Patrícios” no Facebook, sem fins lucrativos, que conta com trocas de experiências entre portugueses. A página, que começou com 20 membros, conta hoje com mais de 1350 pessoas.

"É preciso ter dinheiro para ficar"

O alto custo de vida, que inclui o preço do aluguer de casas, da alimentação e dos transportes, impede que os emigrantes se aventurem em São Paulo sem dinheiro, afirma a estudante portuguesa de administração Rita Saldanha. “É tudo muito caro, não dá para esperar por muito tempo”, conta a estudante de mestrado de 23 anos. Após sete meses no país, foi seleccionada para ser estagiária numa multinacional e decidiu ficar.

“O Brasil está a pagar melhor do que Portugal”, afirma. Outras dificuldades citadas por emigrantes portugueses no Brasil foram a burocracia e a consequente demora na obtenção de documentos, e, claro, a distância da família. “Aqui não é minha terra, não é meu país. Tenho de me adaptar e custa. Custa muito estar longe dos meus filhos, mas vou ficar o tempo que for preciso”, diz Gonçalo Souza, 45 anos, gestor de formação de pessoal de uma empresa do setor automóvel, há oito meses no Brasil. Os filhos, de 17 e 20 anos, ficaram em Portugal.

O país também não é um novo “eldorado”. O arquitecto Hugo, 35 anos, que pediu para não ter o apelido divulgado, desembarcou no Rio de Janeiro em Agosto. Após dois meses, não conseguiu um emprego fixo na cidade e teve de mudar-se para São Paulo. Na capital paulista, encontrou uma ocupação e, ainda sem autorização de trabalho, começou a prestar serviço para um escritório. “Agora estou à espera do visto de trabalho, mas vou ter de sair do país para depois voltar a entrar”, conta.

Apesar das dificuldades, a estabilidade económica e as oportunidades de negócio de um país emergente pesam na balança da opção Brasil, segundo Julia von Maltzan Pacheco, coordenadora de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). “Antes, o Brasil não era considerado uma opção por ser visto como um país instável económica e politicamente. Mas isso mudou”, diz.

Para conseguir um trabalho com mais facilidades, os emigrantes desenvolvem suas técnicas. Estudante de administração, João Regra, 23 anos, chegou ao Brasil em busca de uma dupla titulação de mestrado. Pretende, com dois anos de curso, ter dois diplomas: um português e um brasileiro. “Depois não haverá problema para colocar-me no mercado, seja no Brasil ou em Portugal. Espero que o diploma local me ajude”, disse Regra.

Francisco Antonio Feijó, Presidente da Confederação Nacional das Profissões Liberais, afirma que, em áreas como Arquitectura, Engenharia e Direito, uma qualificação local é indispensável. Já o arquitecto Marcos Abreu, 28 anos, optou por enviar currículos e portefólios a mais de vinte empresas antes de chegar ao Brasil, o que ocorreu há cerca de um mês.

“Consegui um emprego numa semana”, assinala. Em Lisboa, a empresa para a qual trabalhava havia dois anos quis transformar seu contrato em “freelancer” no fim do ano passado. Ele não aceitou. “O mercado em Portugal nitidamente parou. Mas deu-me uma formação que contou a meu favor”, afirma.

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