O design "low cost"

“Low Cost”: um novo estrangeirismo junta-se à palavra Design para dar início a toda uma nova era de baixas expectativas.

Foto
Simon Zirkunow

Devo, literalmente, a minha vida ao Design. No final dos anos 70, a minha mãe sucumbiu ao exotismo de um desses “designers”. Só a palavra já suspirava sofisticação… Uma lufada de ar fresco num país que ainda lutava para dispersar o cheiro a mofo. Enquanto nos inícios dos anos 90, Portugal se perguntava “o que faz ao certo um designer?”, eu colocava “professor” no campo reservado à profissão do pai nas fichas da escola, na esperança de evitar perguntas técnicas como: “O teu pai é estrangeiro?”. “Ser designer” era tema de conversa por si só. As pessoas tentavam compreender a mística envolvida num processo criativo que não implicava sujar as mãos ou partir pedra, o que tinha a vantagem de conferir à palavra do designer um certo respeito autocrático.

Desde então tudo mudou. Apenas a incompreensão quanto ao nosso papel parece ter-se mantido intacta. Desenhador, gráfico, decorador, arquitecto… são muitos os nomes de que desfrutamos. Somos, muitos dizem, uma praga, não daquelas nojentas como baratas ou gafanhotos antes, uma mais tolerável como a dos gatos vadios. Designers não se contratam, eles aparecem… De vez em quando alguém fica com um, porque ele não lhe sai da soleira da porta ou porque lhe foi oferecido por alguém que estima ou a quem devia um favor. Em 1960, quando a indústria começava a dar os primeiros passos em Portugal, não havia designers; havia um grupo de pessoas habilidosas que não se importou de fazer o que artistas e arquitectos achavam um tanto ao quanto diminutivo. Quem diz que o português é preguiçoso tem aqui uma excelente oportunidade para estar calado.

É esta vontade de trabalhar que ainda prende milhares de designers em relações abusivas com empresas e patrões durante meses e até anos a custo zero (para os patrões, claro). Polivalentes e flexíveis tentamos esquecer que após 50 anos passámos de “tapa buracos” para o fundo dos mesmos.

Tal desespero até já levou as escolas a abdicar de acrónimos para criar o movimento com nome à prova de imbecis: “Sempre que Trabalhar de Graça está a Prejudicar os Outros”.

Mas o trabalho gratuito pode vir à paisana, umas vezes sob a forma de “estágio” ou “concurso” e outras com o clássico “pagamos para a semana”. Infelizmente, o fenómeno é generalizado… Sites de concursos online, como o 99 designs, Designcontest, Creative Allies, com o pretexto de “promover o teu trabalho”, são apenas outra forma de abuso. As empresas têm acesso a centenas de propostas de todo o mundo, a concorrer por termos não negociáveis e por elas impostos. Falando em prostituição profissional, temos também o “Speed Lancer”. Espécie de “speed dating” para o design, este site permite que “sem negociação nem entrevista”, o cliente tenha acesso a um “banco de designers de alta qualidade” ao preço fixo de 29,99 doláres (39,99 dólares para trabalhos escritos). Para isto, só precisa de submeter a proposta e esperar que um voluntário em "stock" a aceite. Engajados, artista e cliente iniciam uma relação de quatro horas (mais uma grátis para revisão) em que o resultado final é “o design”. Vivemos num síndrome de Estocolmo com a classe empregadora, contribuindo mais um pouco para o empobrecimento da imagem do design e dos designers, quer para os outros quer para nós próprios.

Sugerir correcção
Comentar