André quer fazer a “maior base de dados de faces do mundo”

De que forma um rosto mais ou menos atraente altera a nossa atenção, memória e percepção temporal? André Silva quer fotografar 1200 pessoas e servir-se dessas imagens para estudar emoções humanas. Há um "crowdfunding" a decorrer

Aviso prévio: há, em vários países do mundo, bases de dados de faces com maior dimensão do que aquela que André Silva quer construir. Aquilo que não existe, garante o jovem doutorando da Universidade do Minho, é uma base de dados padronizada e com qualidade e dimensão suficientes para suportar estudos científicos. Foi com esse pano de fundo que André lançou esta sexta-feira um “crowdfunding” para apoiar a construção da “maior base de dados de faces padronizada do mundo”.

“As faces da multidão” vai reunir, no mínimo, 1200 rostos, fotografados em todo o país num ambiente completamente controlado (em termos de luz, cor, etc.). E este trabalho poderá ser um importante passo para a evolução de investigações em diversas áreas, considera o jovem de 26 anos, mestre em Psicologia Clínica: “A nossa face é um cartão de visita e espelha emoções e informações sobre nós. Acontece que as bases de dados inexistentes, por serem de fraca qualidade, não têm permitido aos investigadores avançar como deveriam nos seus estudos.”

A ideia de criar um “crowdfunding” surgiu exactamente quando André começou a receber algumas críticas relativamente à investigação que está a desenvolver no âmbito do doutoramento. “Os professores diziam frequentemente que estava a obter bons resultados, mas que a fiabilidade do estudo feito a partir das imagens que tinha não era suficiente”, contou ao P3.

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André está a estudar que efeitos tem na nossa atenção, memória e percepção temporal a visualização de alguém atraente. E tem já alguns resultados preliminares: “Se uma face for atraente temos a percepção de que o tempo se arrasta mais. A mesma coisa em relação à atenção e à memória, parece que quando temos uma imagem atraente à frente olhamos mais vezes e durante mais tempo e também as relembramos melhor.”

Mas como se divide, à partida, as imagens em “atraente” e “não atraente”? “Há algumas características que são quase universalmente consideradas atraentes, como o corpo em 'v' e alguma masculinidade na face no caso dos homens ou uma cor de pele dita saudável — nem muito escura nem muito clara — no caso das mulheres”, responde. Mas isto, acrescenta o jovem natural de Aveiro, é um “conceito da sociedade ocidental”. “Não considero, à partida, uma imagem como atraente ou não atraente. O que faço é, antes de iniciar os testes, reunir um grupo de pessoas que classificam as imagens de 1 a 7, entre nada atraente e muito atraente.”

A primeira impressão

A importância da face na criação de uma relação com os outros está bem documentada, recorda André Silva. Vários estudos sugerem que a primeira impressão que temos de uma pessoa se baseia exactamente na cara e que, apesar de demorar menos de meio segundo a ser gravada na nossa memória, persiste no tempo e mantém-se mesmo quando se passa a conhecer melhor a pessoa.

“Não há nenhuma base de dados a nível mundial que me satisfaça porque não são suficientemente padronizadas. Há muitas com muito mais pessoas do que aquelas que me proponho fotografar, mas têm sempre algum problema. Ou são a preto e branco ou têm luzes e cor e fundos completamente variáveis ou são de imagens retiradas da net sem critério”, explica.

O “crowdfunding”, no ar até 10 de Abril, quer juntar 1500 euros, que permitiriam a André Silva viajar por todo o país e retratar pessoas de várias formas. “Em ângulo, de perfil, a olhar para a câmara e com várias expressões faciais”, revela. “Além disso, vou fazer fotografias da nuca. Será a única base de dados com isso. Isto porque há um estudo que diz que homens heterossexuais olham muito para o cabelo da mulher para definir se a consideram atraente ou não. Se tirarmos fotografias à parte de trás do cabelo, será que, só com isso, poderá haver uma opinião? Quero explorar esse lado.”

Para já, estão estabelecidas parcerias com as Universidades de Aveiro, Vila Real e Porto e há contactos com outras instituições. “Vou começar por fotografar nesses espaços e, se conseguir mais financiamento, gostava ainda de montar um pequeno estúdio nos centros das cidades e obter imagens lá também”, revela.

A partir de 25 euros, os apoiantes deste “crowdfunding” têm direito à base de dados, que vai ser completamente construída pelo jovem doutorando, também apaixonado por fotografia, e deverá estar concluída no final deste ano. “Em Psicologia, uma base de dados de faces é uma ferramenta muito necessária, mas é também usada em estudos clínicos, por exemplo, e serve muitas outras áreas como o 'marketing', a publicidade ou o design.”

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