Queremos Hitler de volta?

Não estamos à porta de uma nova Europa ao estilo nazi, mas admitamos: já estivemos bem mais longe

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Pierre Andrieu/AFP

Os europeus que foram a votos decidiram baralhar e dar de novo. Resolveram radicalizar, extremar e pôr a própria Europa em questão, aproveitando a preguiça de uma enorme maioria que optou por nem sequer exercer esse direito tão difícil de conquistar e tão fácil de ignorar.

Assistimos a uma maior fragmentação, uma quebra com os políticos e as políticas tradicionais e uma tendência para o extremismo, em particular o da direita.

Em França, ganhou um partido cujo fundador acaba de dizer que o vírus Ébola solucionaria os problemas de emigração do país em três meses. O normal era ser criticado, calado ou detido. Mas não, ganhou as eleições.

Na Holanda, o partido anti-islamita de Wilders ficou em segundo lugar! Um partido que parte da negação de uma bandeira de um país (Arábia Saudita) para fazer a sua campanha contra o Islão não deveria merecer o repúdio a chacota? Em vez disso, elegeu quatro eurodeputados. Será que os europeus olharão agora com os mesmos olhos para os fundamentalistas islâmicos, como se fossemos sempre a voz da razão e do saber?

Mas o grave é que a situação não se limita a um ou dois países: Grécia e Áustria são outros exemplos em que partidos da extrema-direita, com discursos anti-semitas e profundamente xenófobos, ganharam lugares de grande destaque.

É evidente que toda esta situação tem como pano de fundo uma Europa irritada e frustrada com a crise económica, os programas de assistência financeira e os planos de austeridade. Mas recordemos que foi o mesmo tipo de problemas e de insatisfação que levaram à eleição legítima de Hitler.

É isto que queremos, uma Europa na mão de extremistas, legitimamente eleitos para praticarem políticas de racismo, xenofobia e sabe-se mais o quê? Pessoas e partidos legitimados por todos nós para fazerem a Europa voltar ao tempo triste das Guerras Mundiais?

Teremos a memória assim tão curta, tão fraca?

Estávamos convencidos que não — que esta era a Europa que comandava os valores do mundo, um velho continente cheio de ideias novas, de lideranças de mentalidade. Uma Europa progressiva, à procura de expandir globalmente os valores da liberdade, da democracia e da tolerância. Que saudade tenho dessa Europa fresca que me arrepiava, que me motivava a ser também eu mais e melhor, a ser parte de um todo que só procurava um mundo melhor em conjunto, onde a tolerância e a igualdade eram o epicentro dos valores que todos defendíamos.

É verdade que o facto de podermos eleger quem bem entendemos é um direito democrático que nos assiste e que nem todas as nações conquistaram. E se é bom que tenha aumentado a fragmentação e possamos ter gente nova com ideias diferentes nos corredores do Parlamento Europeu, também é preciso sabermos que exercer este direito exige muito mais de nós do que não votar ou fazê-lo de acordo com um sentimento de irritação e revolta mais imediatistas.

Exige-se mais do que europeus mimados que em vez de sobreviverem a uma crise financeira, decidem transformar a mesma numa profunda crise de valores.

Não estamos à porta de uma nova Europa ao estilo nazi, mas admitamos: já estivemos bem mais longe. Ao eleger uma extrema-direita que defende publicamente soluções políticas que nos deviam horrorizar em vários países ao mesmo tempo, estamos a criar um campo de minas. Hoje, é um campo de minas dominado por uma vasta minoria. Mas se a densidade aumenta, qualquer rastilho pode criar uma explosão sem precedentes, que História nunca perdoará.

Cabe-nos a nós evitar essa tragédia que andamos a semear.

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