Obviamente, Rui Tavares

Existe também uma esquerda que não se revê na nulidade de Seguro, nem na infantilidade de PC e Bloco

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Rui Gaudêncio

Em Portugal a quantidade de pessoas que pensa a Europa não se calcula em percentagem da população – conta-se pelos dedos de uma mão. De entre essas espécies raras há um que se destaca: Rui Tavares. Não apenas pelas boas intenções reveladas nas crónicas que escreve para o PÚBLICO, mas pelos actos.

Recordemos o que andou Tavares a fazer lá por Bruxelas: entre outras coisas, assinou o mais importante relatório sobre as alterações constitucionais na Hungria, alertando para a incompatibilidade do discurso do novo poder húngaro e os valores europeus, e foi o autor do relatório que levou a que o Parlamento Europeu desse incentivos financeiros aos países que receberem mais refugiados: em 2012 havia 172 mil pessoas à espera de serem “colocadas” e a UE só recebeu 4700 – bem atrás dos EUA, como o próprio Parlamento Europeu reconheceu.

Isto são dois exemplos, mas de destaque: não se trata de discursos, mas de trabalho de campo, de análise "in loco" e, no caso da segunda, de subsequente trabalho político de modo a convencer os mais diversos grupos políticos que uma empreitada de tamanha dimensão tem de ser levada a cabo.

Ademais, Tavares escreveu abundantemente sobre a Europa que deseja. Quando afirma que é necessária mais Europa, isto é, uma verdadeira democracia europeia, não está a falar de lindos sonhos cor-de-rosa – basta atentarmos nas recentes declarações de Sarkozy para percebermos que na UE há dois líderes do pelotão que querem que os outros marchem a seu ritmo.

Foi recentemente notícia a entrevista de Philippe Legrain ao PÚBLICO em que este defendeu que a situação portuguesa (e dos países do Sul) esconde, na realidade, um resgate a bancos alemães e franceses; Legrain – ex-conselheiro de Durão Barroso, que, em vez de laudar o antigo ensino na época de Salazar, talvez devesse ouvir quem o aconselha – não anda longe das ideias de Mark Blyth, autor de "Austeridade". Pois bem: há muito que Tavares repisava a mesma tecla e propunha saídas alternativas ao “ir mais longe que a troika”. E nenhuma dessas saídas implicava recusar-se a sentar-se com o FMI, como fizeram Bloco e PC.

Mas ele não foi eleito pelo Bloco e, quando o partido perdeu confiança política nele, mudou de lugar no parlamento para manter o tacho? Não: foi alvo de traição política por parte de Louçã e fez o que foi pago para fazer: representar a nação, independentemente do que pudessem pensar dele.

Têm dificuldade em entender que influência tem nas nossas vidas revogar o Tratado Orçamental (medida que Tavares defende)? É simples: vão aqui e encontram lá tudo explicadinho como nenhum dos grandes partidos é capaz de fazer. Acham absurda a ideia de levar a troika ao Tribunal de Justiça da UE? Mas não são vós que defendeis que os políticos devem ser responsabilizados pelos seus actos? Se as acções da carta violam os tratados e a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, porque não hão-de ser julgados?

O Livre, dizem, é um partido com uma vaga ideologia, que serve de instrumento a um só homem e que divide ainda mais a esquerda. Talvez seja bom começarem a fazer contas: se o PS se recusa a dialogar com PC e o Bloco e o PC e Bloco se recusam a ouvir o FMI então a separação não foi feita pelo Livre, já existia – e existe também uma esquerda que não se revê na nulidade de Seguro, nem na infantilidade de PC e Bloco.

Quanto ao Livre ser um instrumento para um só homem ser eleito, a resposta é fácil: mais vale um bom e com obra que dezenas de maus e calaceiros.

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