Tomaz, o meu “Pai” no râguebi

Apontar a pessoa que mais me marcou no meu percurso na modalidade não é fácil, mas a escolha recai em quem me proporcionou os melhores momentos

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Enric Vives-Rubio

Não foi com ele que dei os primeiros passos no râguebi. Não foi com ele que vivi os primeiros momentos marcantes na vida de um jogador: a primeira placagem; o primeiro ensaio; a primeira vez que te equipas e vais para dentro de campo com a tua equipa. Mas foi com ele que desfrutei de tudo de bom que, ao longo dos tempos, absorvi no râguebi. Por isso, não sendo uma escolha fácil, quando me perguntam quem considero o meu “Pai” no râguebi, o Tomaz Morais é a pessoa que melhor se enquandra nesse perfil.

Sempre adorei esta modalidade e sempre fui um apaixonado pelos princípios que envolvem o jogo. Tantos os éticos (humildade, lealdade, respeito, coragem) como os tácticos (avançar, conquistar, ganhar a luta directa). E foi, efectivamente, com o Tomaz, que durante muitos anos tive o prazer de colocar em prática tudo o que tinha aprendido até ele entrar para Treinador principal do GD Direito.

O meu GDD tinha acabado de descer de divisão e metade da equipa abandonara o barco. Lembro-me bem de uma reunião, no Estádio Universitário, com o Miguel Ferreira (será sempre o Presidente do meu GDD), na qual quase ficou decidido o fim da equipa sénior. Foi um momento decisivo para o qual contribuiu de forma determinante o António Mota, genro de Américo Caetano Nunes, um dos pais do râguebi português.

O projecto do António era muito bom: apoiado numa equipa de juniores (onde jogavam o Diogo Coutinho, Martim Tomé, Manuel Melo, Zé Maria, Martim Aguiar, Rui Barata, entre outros), ir-se-ia trabalhar bem e solidamente na Segunda Divisão de modo a poder subir, de novo, para a divisão principal. Tomás Morais iria liderar o projecto que teve por base uma receita que, anos mais tarde, deu enormes frutos na Selecção portuguesa.

Resumidamente, o projecto basear-se-ia num grupo de jogadores jovens e apaixonados pelo clube e pelo râguebi, o qual seria reforçado por jogadores mais maduros e experientes e, se necessário, com recurso a atletas estrangeiros. A receita resultou em pleno tendo o GDD sido reforçado pelos "veteranos" António Rebelo de Andrade (grande exemplo) e pelo Pedro Neiva, aos quais se juntaram dois neozelandeses com alguma qualidade.

Subimos de divisão e, durante esse ano, a equipa ganhou maturidade e confiança. No ano seguinte, fizemos um belíssimo campeonato e terminados em 2º lugar, com os mesmos pontos do Técnico, mas pior diferença de pontos marcados e sofridos. Mesmo perdendo o campeonato, sabíamos que a nossa hora estaria para breve. Éramos, por força do trabalho do Tomaz, um grupo muito unido.

No ano seguinte fomos campeões e, mantendo a mesma receita imposta pelo Tomaz Morais (que, entretanto, saiu para a Selecção, entrando o Dídio de Aguiar, o Zé Mendes Silva, o Daniel Hourcade, o Frederico Sousa e o Martim Aguiar), o clube tem sabido manter-se no topo desde 1999, com nove títulos conquistados.

Também com o Tomaz, tive o prazer de viver e contribuir para a construção de um grupo que fez história ao levar Portugal ao primeiro Mundial da sua história. Como referi numa crónica recente, a receita utilizada na Selecção foi muito parecida com aquela que, anos antes, tantos resultados tinha dado ao GDD.

Uma entrega imensurável do líder (o Tomaz) que cativava, pelo exemplo, todos os seus soldados. A união do grupo era palavra-chave. O que se passava dentro do grupo ficava dentro do grupo. Cada jogador tinha o seu papel decisivo no desempenho da equipa.

Jogávamos como se não houvesse amanhã e a recompensa eram as terceiras partes inesquecíveis que tanta inveja fazia aos nossos adversários. O râguebi português viveu os seus melhores momentos e eu, graças ao Tomaz, tive o privilégio de fazer parte desses episódios.

PS - Sobre as terceiras partes, ainda me lembro bem de, numa altura em que éramos todos amadores e tínhamos recentemente conseguido o apuramento para 2007, termos a honra da visita do Agustin Pichot, na altura capitão dos Pumas e do Stade Français, que foi convidado para jantar connosco, antes de um jogo contra a Rússia. Recordo, nostálgico, as palavras que me disse: “Miguel, desfruta disto. Não há nada tão forte e imbatível como esse espírito Amador que vocês levam, genuinamente, dentro de vocês. Desfruta porque profissionalismo ou o pseudo-profissionalismo irá invadir o vosso râguebi.”

Na altura, por toda a envolvência do nosso râguebi, liderado pelo Tomaz, achei que aquela possibilidade não seria real. Porque razão se iria mudar uma receita que nos tinha levado ao nosso primeiro Mundial? Porque razão se iria optar por deixarmos de ser a melhor selecção amadora do Mundo para passarmos a ser a pior selecção profissional de todas? Acredito ainda que posso estar certo naquele meu pensamento.

Mas urge que todos nós que estamos envolvidos neste desporto entendamos que qualquer projecto que vise a profissionalização dos jogadores de râguebi em Portugal, levar-nos-á ao insucesso e, com quase toda a certeza, acabará por liquidar todo o património desportivo e ético que, ao longo dos anos, foi cimentado por pessoas que, sabendo de râguebi, tinham em comum a paixão desenfreada por este desporto.

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