BioShock Infinite: o extremismo ideológico e o fanatismo religioso

Este é o terceiro jogo da série “BioShock”, iniciada em 2007, que, no seu conjunto, representa uma fascinante geografia imaginária do extremismo ideológico e do fanatismo religioso

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“BioShock Infinite” é o terceiro jogo de uma série que, no seu conjunto, representa uma fascinante geografia imaginária do extremismo ideológico e do fanatismo religioso.

O código “0451” é utilizado em dois videojogos de 2013. No shooter “BioShock Infinite”, dá acesso a um elevador; em “Gone Home”, um jogo independente de exploração, sem armas ou inimigos, permite abrir a gaveta de um armário. Estes jogos foram comentados, por vezes, como projectos quase antitéticos e espantará que possa haver afinidades electivas entre eles.

No entanto, aquele código sinaliza que, em decisões fundamentais, ambos se inspiram na clássica série “System Shock”, onde foi usado para evocar “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury. São testemunhos do longo rasto de influência deixado por “System Shock 2”, um "shooter" de 1999 com ênfase forte nos aspectos narrativos, coordenado por Ken Levine, tal como “BioShock Infinite”.

Parte importante da informação que recolhemos em “BioShock Infinite” está em diários sonoros que encontramos em Columbia, uma cidade aérea Belle Époque, e em cinetoscópios com pequenos filmes de "actualidades”. Estes fragmentos reconstituem acontecimentos passados, sob múltiplas perspectivas. A omnipresença de inscrições na cidade é outra reminiscência de “System Shock 2”. Os cartazes de propaganda oficial convertem o espaço público em manifesto político-religioso, mas partilham-no com graffiti que denunciam tensões sociais por detrás da cortina.

Na aparência, Columbia é encantadora. A arquitectura American Renaissance fascina, assim como os cortejos aéreos e a variedade de animações nas ruas. Um episódio súbito, no entanto, instala o desencanto e o “gore”: Booker DeWitt (em Columbia, com a missão de resgatar uma rapariga, Elizabeth, cativa do fundador da cidade) vence um sorteio em que o premiado é convidado a castigar um casal “inter-racial” apresentado ao público, que assiste como atracção de feira. A sequência termina com grande violência, tão gráfica quanto a exibição supremacista em que a comunidade participa.

Este é o terceiro jogo da série “BioShock”, iniciada em 2007, que, no seu conjunto, representa uma fascinante geografia imaginária do extremismo ideológico e do fanatismo religioso. Rapture, a cidade subaquática dos dois primeiros “BioShock”, é uma contra-utopia objectivista. Em Columbia, predominam o fanatismo religioso e as teses supremacistas. O pessimismo antropológico da série é ampliado em “Infinite” com o retrato da corrupção dos dirigentes revolucionários que disputam o poder. Booker, interpretado pelo jogador, é, ele próprio, um personagem moralmente comprometido pela participação no Massacre de Wounded Knee. É Marlow ao encontro das próprias trevas, durante a missão de assassinar o tirano Kurtz, na novela “Coração das trevas”, de Joseph Conrad, que inspira Ken Levine desde o final dos anos 90.

As “sequelas espirituais” de “System Shock 2” têm vindo a simplificar a fórmula original. As ambições literárias e artísticas que ainda resistem em “BioShock Infinite” convivem, em tensão, com concessões óbvias à linearidade do design de níveis e à violência gráfica dos "shooters" modernos. Apesar disso, a sequência em que Elizabeth dança na praia, depois de uma vida em cativeiro forçado, ou as aparições dos gémeos Lutece, apontamentos "lynchianos" no jogo, são como preciosos rasgões para universos paralelos em que os "shooters" resistiram à acefalia reinante no género.

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