Evangelho político segundo os profetas

Há um problema dos partidos de esquerda em Portugal, embora seja também um mal europeu

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Enric Vives-Rubio

1. Nos últimos tempos, temos assistido à implosão de alguns movimentos de esquerda alternativos. O primeiro, sob a iniciativa do ex-bloco de esquerda Rui Tavares, apelidado de “Livre”. Este partido busca fugir ao radicalismo da extrema-esquerda (na Grécia teve maior impacto, por exemplo) — que, na hora da verdade, não conseguiu mostrar-se — e ser uma espécie de Partido Socialista que vai dando o pisca para esquerda quando lhe mais convém. Por sua vez, o outro — não querendo, com certeza, seguir a tendência de ostracismo de Blatter com Ronaldo — denomina-se “Pela Dignidade, pela Democracia, pelo Desenvolvimento, Defender Portugal”, tendo como principais referências Daniel Oliveira e Ricardo Araújo Pereira. Ao contrário do formato do partido de Rui Tavares, este é mais uma espécie de movimento disfarçado. Como é óbvio, procura o meio entre o PCP e o BE, na medida em que grande parte dos seus intervenientes evidenciam algum desapontamento com estes mesmos partidos que ficaram esquecidos nos últimos tijolos do muro de Berlim. A desilusão em relação ao PCP e o BE é, de todo, legítima. Ora, como tal, esta agitação política dos neo-3 D’s (embora seja mais correcto dizer 4D’s, mas a verdade é que “Dignidade” é um D para preencher) — parece-me evidente a busca pela continuação dos 3D’s do 25 de Abril de 1974 (tirando o “Descolonizar”) — prometem ideias e processos novos na vida política portuguesa.

2. Por outro lado, os profetas da direita insurgiram-se, rapidamente, contra o manifesto dos neo-3D’s. Quem são eles? O historiador ultra-conservador Rui Ramos, o mediático Henrique Raposo e João Miguel Tavares (não adjectivo pejorativamente este último, dado que, as suas críticas não procuram somente destruir), entre outros. O primeiro profetiza o fim dos vaticinadores e das utopias, o segundo, de uma forma subtil, despreza Ricardo Araújo Pereira com um falso elogio envolvido de uma “manta” de convencionalidades insustentáveis e indeléveis do seu ser e, finalmente, o terceiro intitula estas novas soluções como a “esquerda matrioska”. Não concordo com as críticas feitas. Aliás, tal panorama peca por ser tardio, visto que, como já foi enaltecido, PCP e BE falharam, tal como falhou toda a esquerda na Europa. Porém, como defendia Alan Touraine, as acções populares tenderiam a radicalizar-se, mas, em contrapartida, também a serem marginalizadas e afastadas dos centros de decisão de poder.

3. Há um problema dos partidos de esquerda em Portugal, embora seja também um mal europeu. A sociedade civil deixou de se ver representada pelos partidos de base ideológica de esquerda, na medida em que estes não conseguem representar e conseguir ter canais de comunicação com as ruas. Há um esquecimento da sua génese. O próprio PS, de centro-esquerda, tem sofrido esta nuance. De referir, também, que a obsessão do Estado em se fechar em si próprio e não se abrir à sociedade traz consequências para toda a compreensão daquilo que se defendia e já não se defende. Assim, a inovação, discussão e transmissão de novos movimentos podem trazer, quiçá, uma evolução de paradigma político.

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