A Grécia nem sempre foi assim tão triste

Vi companheirismo dos meus amigos gregos, vi a lua a tocar o oceano enquanto fazíamos festas na praia e percebi que afinal nem tudo é mau e que ainda restam estas pequenas coisas

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Yorgos Karahalis/Reuters

A crise dos mercados financeiros é implacável no que toca a destruir poupanças, empregos, governos e sonhos. Mas a Grécia já foi acolhedora, sorridente e proporcionou bons momentos sob a lua das noites quentes.

Do paraíso dos souvlakis e ilhas de mar azul-turquesa até à queda de um povo foi um instante. Este é o exemplo da Grécia que tem estado pelas bocas do mundo, por todos os motivos negativos. O seu estado crítico a nível financeiro notava-se cada vez mais até que tudo desabou faz dois anos. Depois disso foi o efeito dominó que se viu nos mercados mais fracos da Europa, como Portugal, Espanha e Itália.

Já muita tinta correu sobre o cenário grego, o plano económico de emergência e as trágicas consequências sociais. Um país que desde finais de 2000 já se via particularmente afectado pela crise devido ao legado de elevados gastos públicos e evasão fiscal, mais tarde ou mais cedo cairia na sua armadilha, principalmente sem um peso significativo neste barco à deriva que é a UE actualmente.

O que Portugal tem vivido desde o início do ano, eu vi os cidadãos gregos viverem no ano passado. Preocupei-me quando uma criança de 12 anos disse que odiava muçulmanos porque o seu irmão mais velho também o fazia. A incerteza no olhar dos jovens, a desmotivação, a revolta, os sorrisos forçados que escondem a tristeza mas que ao mesmo tempo procuram a esperança. Este povo acolhedor, caloroso e orgulhoso da sua herança vê-se obrigado a virar as costas ao local onde nasceu. Decerto, algo familiar a Portugal.

Contudo, ali ainda encontrei alegria nas idas à praia, nas crianças que entretive, nos baratíssimos "frappés" de café. Cada um faz o que pode, não é? Tal como aqui, viram os seus amigos e irmãos a partir, as suas cidades a sucumbirem à pressão económica, os seus amigos a serem espancados pelos de extrema-direita. E eu senti com eles a sua tristeza, e sinto novamente a dos portugueses. Na cauda da Europa, Portugal só tem dar graças por não ter a difícil vaga de emigrantes que durante anos tem afectado a Grécia. E mesmo assim, enquanto passei por greves, por pessoas revoltadas à saída da estação de metro de Syntagma, aqueles jovens ainda me faziam rir, ainda me faziam descobrir o melhor de Atenas.

Num mundo só nosso, conseguimos esquecer a crise económica e social, as ruas sujas e as dezenas de mendigos. Uma subida íngreme a Lycabettus, um souvlaki naquele restaurante da esquina da praça de Monastiraki, uma viagem extenuante de 5h até Santorini e aquele almoço da família que me acolhia na sua casa de férias, foram o suficiente para me apaixonar por um país que tão cedo não pode mostrar o que de melhor tem.

Vi motociclistas sem capacete, vi taxistas enganosos e com preços ridiculamente elevados mas também vi companheirismo dos meus amigos gregos, vi a lua a tocar o oceano enquanto fazíamos festas na praia e percebi que afinal nem tudo é mau e que ainda restam estas pequenas coisas. E que a Grécia nem sempre foi assim trágica.

O Sul da Europa que nunca muda.

Aliás, tudo isto me leva sempre a pensar nesta nossa caraterística de povo do Sul da Europa. É difícil emigrar e não ter saudades das cervejas, do sol e até desta calçada escorregadia mas também lamento este fado que afeta os países do sul: o facto de sermos uma região com o PIB mais baixo e onde sempre imperou o clientelismo. Eu lamento esta coisa que constantemente me relembra que somos fracos e preguiçosos.

Mas os solarengos países do Sul da Europa estão a acordar para os subornos e ilegalidades que existem mesmo debaixo do seu nariz, algo com o qual sempre conviveram bem mas que chegou a um limite insuportável. E a Grécia sempre a liderar os exemplos, caiu de 80º para 94º, tornando-se no país europeu mais corrupto em termos de percepção dos cidadãos, segundo a BBC.

Resta saber se alguma vez aprenderemos.

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