Voto em branco

Não há debate de ideias. Nem sequer há debate. E essa parece ser aliás, condição para a entrada directa na política, local e até nacional

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Segundo notícia do Público, os votos em branco atingiram valores recorde. Faço uma espécie de defesa desta manifestação democrática, que é tantas vezes olhada de lado.

Gostava de poder ter votado. Quando ainda há cinco meses vivia no estrangeiro, esperava incessantemente pela oportunidade de expressar o voto, contributo civil para a democracia do meu pais. Da mesma forma que antes de 1974 muitos o disseram, eu reafirmo: gostava de poder ter votado.

A ditadura é agora outra, é a ditadura da mediocridade transversal. Não há debate de ideias. Nem sequer há debate. E essa parece ser aliás, condição para a entrada directa na política, local e até nacional. No meu concelho o nível do debate político baixou tanto, mas tanto, que se torna impossível depositar em alguém um pingo de confiança.

Posso e devo ir votar, mas não posso votar. Isto porque a abstenção é a expressão máxima da abdicação. Votaria efectivamente em alguns concelhos, de Norte a Sul, pelas informações que fui recolhendo. Mas não no meu, e jamais em tantos outros, o que se torna preocupante.

Não pude avançar para o acto de escolher que significa, antes de mais, depositar confiança num em detrimento de outro. E para os que olham de lado o voto em branco, que vêm normalmente do lado do aparelhismo partidário, devem atentar nos dados. Se a abstenção demonstradora de desinteresse aumenta cada vez mais, também o voto em branco sobe exponencialmente. A particularidade do segundo é o esforço de quem se dirige à mesa de voto para dizer que não; que não a nenhuma daquelas formas de fazer política. Poder-me-ão dizer que as decisões trágico cómicas da CNE terão contribuído para uma falta de informação. Mas não poderão ofuscar a grande causa: a podridão da vida partidária.

Enquanto não houver um processo generalizado de regeneração das estruturas partidárias este valor continuará a subir. Os partidos devem ser plataformas abertas à participação civil, e não dissuasórias do seu contributo, gerando fenómenos de popularização do discurso anti-partidos. Obrigam mesmo a tantos e tantos movimentos de cidadãos que, querendo agir, não se identificam com nenhum dos partidos no seu estado actual. Os partidos tornaram-se herméticos casulos em que o tráfico de influências e vaidades se sobrepõem a tudo.

Ainda hoje, nas redes sociais, observava o gáudio dos recém-eleitos, que orgulhosamente se tratavam mutuamente pelo cargo respectivo. O cargo em vez do serviço, o sonho de menino em vez da responsabilidade, o passeio em vez do percurso, fazem parte das subversões habituais da falta de habilitação dos candidatos.

A podridão dos partidos contaminou-os com incompetência e criou uma enorme camada de repelente ao seu contrário. Instituições como a Presidência da República deveriam enviar sinais para o interior dos partidos, e espoletar a necessária regeneração. Mas como sabemos, não o faz. É, ainda para mais, parte dessa teia.

Se a abstenção envia um sinal de desinteresse que reforça o poder entregue de bandeja, atingindo a democracia, o voto em branco envia um sinal de interesse e descontentamento, que deve ser recebido com alerta por quem procura o voto.

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