No mundo digital, somos mais rudes e desinibidos

De ameaças de morte feitas por anónimos a deslizes de políticos habituados a comunicar em público: na Internet, a conversa é outra

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Reuters

Este mês, uma rapariga britânica de 15 anos suicidou-se, na sequência, segundo o pai, de mensagens publicadas na sua conta do site Ask.fm. A plataforma é usada sobretudo por adolescentes e permite fazer perguntas e deixar respostas anonimamente. Uma das mensagens dizia: "Morre, toda a gente ficará feliz."


No mês passado, uma feminista britânica foi alvo de repetidas ameaças de violação no Twitter, por vários utilizadores, muitos identificados com fotografias e nomes verosímeis. Numa mensagem particularmente brutal, um deles escreveu: "Se as tuas amigas sobreviveram a uma violação, é porque não foram bem violadas." As ameaças levaram à detenção, pelo menos, de um jovem de 21 anos.


Há muito que a gíria da Internet tem um termo para este tipo de insultos: "trolling". Na mitologia escandinava, os trolls são seres sobrenaturais que vivem longe dos humanos. São anti-sociais e agressivos. Alguns têm uma aparência de monstros.

O fenómeno da desinibição tóxica

Na linguagem moderna da Internet, os "trolls" são pessoas que, em fóruns, redes sociais e caixas de comentários, discutem sem argumentos racionais ou simplesmente insultam e ofendem os outros, embora não necessariamente com a violência dos exemplos acima. Os académicos têm outro nome para o fenómeno: desinibição tóxica.


"O efeito da desinibição online é uma força poderosa, mesmo quando estamos cientes do efeito que tem em nós. Muitas vezes, opera a um nível inconsciente", explica ao PÚBLICO o investigador americano John Suler, da Universidade de Rider, que em 2004 cunhou o conceito de "desinibição tóxica".


O fenómeno não diz respeito apenas a mensagens ofensivas: "Soltam-se a linguagem rude, as críticas duras, raiva, ódio, até ameaças. As pessoas exploram o submundo negro da Internet, os lugares de pornografia e violência, lugares que nunca visitariam no mundo real", escreveu no livro "The Psychology of Cyberspace" ("A Psicologia do Ciberespaço"), que está disponível online (do outro lado da desinibição tóxica, Suler coloca a desinibição benigna, que faz com que sejamos mais propensos a revelar emoções e desejos, ou a dar conselhos e ajudar os outros).

O caso da jovem que se suicidou pôs o Reino Unido a discutir o "cyberbullying". Mas a desinibição não parece ser uma característica apenas dos mais novos. O psicólogo Américo Baptista, professor na Universidade Lusófona, afirma que "não são só os jovens" que têm este tipo de comportamento, embora seja de esperar que tenham "maior espontaneidade e menos filtro do que os adultos". No mundo offline, observa, "as interacções do nosso dia-a-dia caracterizam-se por termos um feedback imediato. Na Internet, não há esse feedback, há uma maior sensação de liberdade". Mas ressalva que, apesar de um "maior descuido" no mundo online, "o que acontece na Internet é o que acaba por acontecer na vida real".


A mesma opinião tem o especialista em segurança online Tito de Morais: "A intermediação da tecnologia muitas vezes leva as pessoas a dizer e a fazer aquilo que presencialmente não fariam. Não vemos as consequências dos actos em quem está do lado de lá. No caso particular dos jovens, se pegarmos na definição de desinibição - o desrespeito por convenções sociais, a impulsividade, a fraca avaliação do risco -, vemos que são características típicas da adolescência."


Internet menos anónima

John Suler aponta vários causas para a desinibição tóxica. Entre elas estão o anonimato, o facto de a comunicação ser assíncrona (alguém deixa um comentário que pode ser visto minutos, horas ou até dias depois), a concepção do mundo online como um mundo de fantasia, "separado das exigências e responsabilidades do mundo real", e ainda a ausência física do interlocutor.


Hoje, nas redes sociais, pelo menos um dos factores está esbatido: o anonimato. O Facebook tem uma regra que impede nomes falsos (há casos, incluindo em Portugal, em que o site pediu cópias de documentos para verificar a identidade dos utilizadores). A maioria das pessoas coloca no siteinformação que permite ligar o perfil a uma identidade offline. A generalidade dos utilizadores no Twitter também não oculta a identidade verdadeira.


Um estudo da União Europeia, publicado no ano passado, colocava Portugal entre os países onde os utilizadores consideravam ser menos problemático partilhar informação pessoal nas redes sociais, uma característica mais acentuada nos países do Sul e do Leste da Europa. Já o estudo "A Internet em Portugal 2012", do Observatório da Comunicação, indica que 96% dos utilizadores de redes sociais revelam o nome, 86% indicam a data de nascimento e 77% publicam uma fotografia pessoal.

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