Do período revolucionário em curso

Os portugueses são ofendidos há dois anos, e não há dias. Dois anos de um Governo apostado em trair todas as suas promessas eleitorais, que justificavam o derrube do Governo anterior, com as causas conhecidas

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José Manuel Ribeiro/Reuters

Os portugueses foram ofendidos por uma série de comportamentos repentinos e inesperados.

Com o possível sangue frio, talvez valha a pena não esquecer o início da ofensa para, depois, entender a ofensa final.

Os portugueses são ofendidos há dois anos, e não há dias. Dois anos de um Governo apostado em trair todas as suas promessas eleitorais, que justificavam o derrube do Governo anterior, com as causas conhecidas: desemprego histórico; pobreza; velhice desprotegida; violação repetida da Constituição; emigração dos jovens mais qualificados, para os quais o país deixou de ter lugar; falhanço em todas as metas traçadas ao nível financeiro e consequente aumento de uma austeridade recessiva e idiota; desesperança; e fome.

Dois anos a ouvir Vítor Gaspar, apoiado pelo PM, a dizer que havia que continuar o mesmo caminho cegamente centrado no défice, caminho apolítico, que desbaratou as melhores condições com que um Governo pode começar um mandato: uma maioria absoluta; um Presidente da República (PR) alinhado; cooperação total dos atores da concertação social.

O Governo foi absolutamente insensível ao seu próprio desvario, agarrou-se a Gaspar e deitou fora tudo o que referi, restando um PR materialmente demitido das suas funções.

Ao fim de dois anos, após a saída de Relvas, explicada em direto pelo próprio como que em “legítima defesa” e deixando o aviso ao PM de que era a si, Relvas, que o Chefe de Governo devia o seu lugar, o desnorte assumiu proporções que nos recordam o processo revolucionário em curso.

A bomba é a carta pública de Gaspar – uma deslealdade institucional -, a qual explica a demissão revogando o dito ao longo de dois anos e atacando o PM.

É, assim, uma moda atual estar no Governo e sair sem resguardo.

A carta de Gaspar ofende o PM, mas também ofende os portugueses, sacrificados em nome do que Gaspar dizia ser o certo e agora vem dizer que era o errado.

A necessidade de mudança de política reclamada por Portas saia reforçada pela confissão de Gaspar, sendo inegável que escolher a continuidade através da escolha de Maria Luís Albuquerque, para mais fragilizadíssima politicamente, foi um erro trágico do PM. Ninguém, ninguém percebeu.

A ofensa que atingiu níveis explicáveis pela psicologia acontece como um ato final de todos os atos que aqui foram encadeados: o povo assiste em direto à demissão de Portas inconformado com a Ministra que, ao mesmo tempo, tomava posse, embora na equipa da mesma estivesse um secretário de estado do CDS. O PR, não informado do facto, fazia declarações sem sentido. Passos desmente Portas – refuta que não tenha havido acordo quanto à Ministra e refuta que tenha sido informado da demissão de Portas “atempadamente”. Ainda assim, afirma que não aceita a demissão (poder do PR e não dele) e que vai tentar fazer as pazes com o alegado mentiroso. O país aguarda uma declaração de Portas, mas nada.

Esta gente que nos ofereceu um filme de terror, espetou facas mortais entre si, e agora “conversam”, porque alguém descobriu que “o país está primeiro”. Não esteve, não está, nunca esteve. Alguém tem por fiável qualquer “acordo” saído destes episódios? Claro que não.

É tempo do PR reassumir a sua função.

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