O Estado e o contrato esquecido

No caso português, o papel do contrato deve ter ficado manchado e ilegível com a velhice

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Jon Nazca / Reuters

Certo dia, pediram-me para refletir sobre o seguinte: “O Estado e a sua influência na sociedade”. Ocorreu-me, na altura, uma única palavra: contrato. A minha mente continua a fazer a mesma associação hoje. E certamente a fará amanhã e depois.

A afirmação do Estado Moderno apoia-se, de certa forma, na corrente contratualista (que defende a existência/necessidade de um Contrato Social) que surge nas obras de Rousseau, Locke ou Hobbes. Cada um dando mais ênfase à vontade geral, indivíduo, ou Estado, respetivamente, todos convergiam na ideia de que cada um de nós abdica de uma parcela do seu poder individual, entregando-a ao Estado, e este encarrega-se de manter a ordem social necessária.

O tempo não pára e a noção de Estado sofreu ténues metamorfoses e certas ramificações com o passar dele. Estejamos num Estado Social (em falência), estejamos onde nos quiserem colocar, certo é que a ideia contratualista ainda está enraizada. Não é mau, mas num contrato é suposto haver vantagens para ambos os lados. Dar e receber, um lema para a vida, uma jornada para a ordem social. Ordem que não é tão simples como sendo antónimo de desordem ou conflito. No contexto, deve-se exigir da palavra direitos sociais, bem-estar, qualidade de vida, um mínimo de harmonia.

Brinca-se com os números

No caso português o papel do contrato deve ter ficado manchado e ilegível com a velhice. As previsões de quem nos chefia erram uma e outra vez, e voltam a errar quando tentam prever os erros da primeira suposição. Brinca-se com os números e com as leis, como o cientista faz com o rato branco. Fazem-se um espectro de experimentos e espera-se encontrar uma solução a certa altura. A demora da respetiva alonga-se. A austeridade aplica-se uma e outra vez, com crescente dosagem. Os impostos são desenhados sempre olhando para o topo, o desemprego nacional sobe (mas facilita-se o despedimento e reduzem-se indeminizações), a pobreza nas ruas torna-se mais visível e frequente, a indignação do povo solidifica-se, mas, por outro lado, a economia não se levanta do caixão e já nem falo do salário mínimo nacional.

Não sou especialista ou tecnocrata, mas sou capaz de ver que é preciso mudar de estratégia. There is No Alternative (TINA) é os que de cima tentam espalhar aos de baixo. Acredito que sejam poucas as alternativas, difíceis e polémicas, mas elas existem. Olhando para o globo encontramos casos raros, mas factuais, de países que a médio prazo consolidaram a Educação, Economia e quase erradicaram a pobreza (óh bom Comandante!). O sustento do sucesso desses poucos foi o socialismo. O socialismo precisa-se! Real e forte. Forte para aguentar difamações que o denigram, apelidando-o de comunismo cego, e para não se corromper por interesses exteriores vindouros de potências mundiais oportunistas. Real, para que seja implantado numa realidade democrática.

Numa base de bom senso, até o termo mais áspero se molda para um bem geral. Por esta via, acredito que o contrato volte a ser vantajoso para mim, para os meus pais, para as pessoas que vejo por aí. É isto ou rezar para que a austeridade subitamente comece a funcionar. Perdi a minha fé no Estado português e na sua influência na sociedade, portanto, espero que a realidade próxima crie arranjos, ou O arranjo, para que o Estado mude e a sua consequente influência.

Que haja uma remodelação de Governo. Que tenhamos um líder forte e exterior a oligarquias, com olhos postos para o povo.
É esta a minha visão enquanto singularidade portuguesa. Podia ser mais sapiente e menos inocente, mas pelo menos, ainda não foi corrompida por artimanhas que normalmente surgem com a chegada das primeiras rugas.

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