Uma questão de nome

Venderia algum livro um escritor que se chamasse Figo? Poderia um pianista de sucesso chamar-se Frasco ou Toninho Metralha? Como reagiria o mundo do futebol se um qualquer Zé Manel, Tozé ou Zeca fosse candidato à Bola de Ouro? Cada nome no seu galho

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Johannes Eisele/Reuters

Carregar aos ombros o nome errado pode trazer problemas de coluna. Quem diz coluna, diz personalidade. O meu, por exemplo, João Ferreira Oliveira, haverá conjugação mais banal? Nunca colocaria estas três palavras nas costas de uma camisola e é desta forma que assino os meus textos há mais de dez anos, alguma coisa isto dirá sobre mim.

Tudo começou com um telefonema de um amigo. Há semanas que tentava convencer-me a participar num torneio.

- Que nome queres colocar na camisola? – perguntou-me.

- Não sei - respondi.

- Não sabes?

- Não.

- Como é que não sabes?

- Há muitos anos que não jogo num torneio. No meu tempo não se colocava o nome nas camisolas.

- Disseste no meu tempo?

Deu uma gargalhada e despedimo-nos.

Acabou a conversa, não o assunto, e dei por mim a debater-me com a importância de ter um bom nome, a insignificância de me chamar João Ferreira Oliveira. Conseguirá algum leitor decorar o meu nome?, pergunto-me. Conseguirá alguém decorá-lo sem que eu o repita vezes sem conta? Poderia com este nome deixar um estádio a meus pés? Qual dos apelidos usariam para me insultar?

Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas, são como as desculpas, vêm sempre em grupo. A questão é universal, tenho pelo menos essa desculpa, caso contrário porque fugiria tanta gente do seu nome de baptismo? Pelé (Edson Arantes do Nascimento); Petit (Armando Gonçalves Teixeira); Kaká (Ricardo Izecson dos Santos Leite); Johan Cruyff (Hendrik Johannes Cruijff); David Bowie (David Robert Jones); Miguel Torga (Adolfo Correia da Rocha); Bo Derek (Mary Cathleen Collins); Freddie Mercury (Farrokh Bomi Bulsara); Marilyn Monroe (Norma Jeane Mortensen)... (Desde já me penitencio por colocar Petit, Miguel Torga e Bo Derek debaixo do mesmo tecto).

Não é que o mundo seja falso, quem sou eu para o afirmar, mas meio mundo parece esconder a sua verdadeira identidade.

É compreensível, pensem comigo: venderia algum livro um escritor que se chamasse Figo? Poderia um pianista de sucesso chamar-se Frasco ou Toninho Metralha? Como reagiria o mundo do futebol se um qualquer Zé Manel, Tozé ou Zeca fosse candidato à Bola de Ouro? Cada nome no seu galho.

Regresso ao meu caso, como sempre. É oficial. João Ferreira Oliveira não é sinónimo de jogador. Nem de músico. Nem de escritor. De jornalista, talvez. É o que é. É o que eu sou. Não me conformo, contudo. Nunca poderei ascender ao tão ansiado estrelato, desta forma, mas estarei ainda a tempo de mudar? Ainda fará sentido encontrar um pseudónimo? Partilho a minha inquietude com outros dois amigos, eles riem-se – os meus amigos riem-se muito, sobretudo quando falo a sério -, dizem-me que esteja descansado, que não é por causa do meu apelido ou da minha cara que alguém deixará de ler os meus artigos ou de comprar os meus livros, que a conjugação entre Ferreira e Oliveira até dá ares de alguém mais velho, respeitável, e de seguida um deles pergunta-me: Oliveirinha, queres café?

Começaram por chamar-me assim entre eles, entre nós, e agora meio mundo me chama Oliveirinha, mesmo aquele meio mundo que eu não fazia questão que soubesse o meu nome. Inclusive em campo. É difícil impor respeito e exigir que nos passem a bola quando nos vêem como um diminutivo.

Com isto, uma semana passou, o telefone volta a tocar, a questão repete-se.

- Já sabes que nome vais colocar na camisola?

- Não vou jogar – respondi.

- Não vais jogar? – gritou o meu amigo – E não disseste nada?

O resto da conversa prefiro manter em privado. Direi apenas que me chamou uma série de nomes que me assentaram na perfeição.

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